Mestres da Poesia - Olavo Bilac. August Nemo

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Mestres da Poesia - Olavo Bilac - August Nemo


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      O Autor

      Filho de Brás Martins dos Guimarães Bilac e de sua esposa Delfina Belmira Gomes de Paula, também neto paterno de João Martins dos Guimarães Bilac e de Angélica Pereira da Fonseca, irmã do 1.º Visconde de Maricá e 1.º Marquês de Maricá, terá infância e adolescência comuns para sua época. Era considerado um aluno aplicado, conseguindo, aos 15 anos - antes, portanto, de completar a idade exigida - autorização especial para ingressar no curso de Medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a gosto do pai, que era médico durante a campanha da Guerra do Paraguai, e a contragosto próprio.

      Portanto, começa a frequentar as aulas da faculdade mencionada, terminada a rápida passagem no colegial, mas seu precoce trabalho na redação da Gazeta Acadêmica absorve-o e interessa-o mais do que a prática medicinal. Por este motivo, Bilac não concluiu o curso de medicina e nem o de direito que frequentou posteriormente, em São Paulo.

      Bilac foi jornalista, poeta, frequentador de rodas de boêmias e literárias no meio letrado do Rio de Janeiro. Sua projeção como jornalista e poeta e seu contato com intelectuais e políticos da época conduziram-no a um cargo público: o de inspetor escolar. A se considerar a importância dada aos cargos escolares naquele período, principalmente aquele de professor da Escola Pedro II (onde diversos eruditos disputaram famosas preleções para cargo professoral, como Euclides da Cunha e Astrojildo Pereira), não é de somenos importância perceber o relevo social desta profissão naquele meio. Aliás, sua participação na vida cotidiana e cultural foi uma marca patente em sua imagem: sabe-se, por exemplo, que em 1897 Bilac acabou perdendo o controle do seu automóvel Serpollet e o bateu contra uma árvore na Estrada da Tijuca, no Rio de Janeiro - RJ, sendo o primeiro motorista a sofrer um acidente de carro no Brasil.

      Aos poucos profissionaliza-se: produz, além de poemas, textos publicitários, crônicas, livros escolares e poesias satíricas. Visava, então, contar através de seus manuscritos a realidade presente na sua época. Prestou colaboração em publicações periódicas como as revistas: A Imprensa (1885-1891), A Leitura (1894-1896), Branco e Negro (1896-1898), Brasil-Portugal (1899-1914), Azulejos (1907-1909) e Atlântida (1915-1920). Sua estreia como poeta, nos jornais cariocas, ocorreu com a publicação do soneto "Sesta de Nero" no jornal Gazeta de Notícias, em agosto de 1884. Recebeu comentários elogiosos de Artur Azevedo, precedendo dois outros sonetos seus, no Diário de Notícias. Ademais, escreveu diversos livros escolares, ora sozinho, ora em co-autoria com seus amigos Coelho Neto e Manuel Bonfim.

      Em 1891, com a dissolução do parlamento e a posse de Floriano Peixoto, inúmeros intelectuais perdem seu protetor, o dr. Portela, ligado ao primeiro presidente republicano Deodoro da Fonseca. Como reação, o escritor participa da fundação d'O Combate, órgão antiflorianista e opositor do estado de sítio declarado pelo marechal Floriano Peixoto após a ameaça de novo golpe político contra a ainda instável república, quando então o primeiro é preso e constrangido a passar quatro meses detido na Fortaleza da Laje, no Rio de Janeiro.

      O grande amor de Bilac foi Amélia de Oliveira, irmã do poeta Alberto de Oliveira. Chegaram a ficar noivos, mas o compromisso foi desfeito por oposição de outro irmão da noiva, desconfiado de que o poeta era um homem arruinado. Seu segundo noivado fora ainda menos duradouro, com Maria Selika, filha do violonista Francisco Pereira da Costa. Viveu sozinho, em consequência destes descasos amorosos, sem constituir família até o fim de seus dias. Decorrido seu falecimento, em 28 de dezembro de 1918, fora sepultado no Cemitério de São João Batista no Rio de Janeiro.

      Bilac

      por João do Rio

      A casa do poeta é de uma elegância delicada e sóbria. Ao entrar no jardim, que é como um país de aromas, cheio de rosas e jasmins, ouvindo ao longe o vago anseio do oceano, eu levava n'alma um certo temor. Eram oito horas da manhã, apenas oito horas. A rua parecia acordar naquele instante, os transeuntes passavam com o ar de quem ainda tem sono, e o próprio sol, muito frio e formoso, parecia bocejar no lento adelgaçar das névoas.

      — Só muito cedo encontrar-me-ás em casa, dissera ele, e eu mesmo sabia que o cantor do Caçador de Esmeraldas acorda às cinco da madrugada, escreve até as dez, sai e não recolhe senão depois da meia-noite, porque o entristece ficar num gabinete sem outra alma, à luz dos bicos de gás.

      Quando, porém, ia tocar o timbre de um velho bronze, o meu receio desapareceu.

      Estavam as portas da sala abertas e eu via Bilac curvado sobre a mesa a escrever.

      — Pode-se importunar?

      — Ó ave madrugadora! Tu por aqui?

      Ergueu-se com a sua aristocrática distinção. Estava todo vestido de linho branco, a camisa alva com punhos e colarinhos duros.

      — Aposto que vens ver os meus cartões postais?

      Eu olhava a sala onde há tanto tempo mora a Musa perfeita. As paredes desaparecem cheias de telas assinadas por grandes nomes, caquemonos de Japão, colchas de seda cor d'ouro velho. As janelas deixam ver o céu, a rua e as árvores entre cortinas cor de leite e sanefas de veludo cor de mosto. Do teto pende uma antiga tapeçaria francesa, a um canto um paravento de laca parece guardar mistérios no bric-à-brac do mobiliário — cadeiras de várias épocas, poltronas, estantes de rodízios, guéridons, divãs, dois vastos divãs turcos, largos como alcovas... Ao centro a mesa em que escreve o poeta, muito limpa e quase muito pequena, de canela preta, encimada por um ventilador. Os meus olhos repousam nos bibelots, nas jarras de porcelana cheias de flores frescas; a alma sente uma alegre impressão de confortável. O poeta faz-me sentar.

      — Oito horas já? Há não sei quantas escrevo eu.

      — Versos?

      — Oh! Não, meu amigo, nem versos, nem crônicas — livros para crianças, apenas isso que é tudo. Se fosse possível, eu me centuplicaria para difundir a instrução, para convencer os governos da necessidade de criar escolas, para demonstrar aos que sabem ler que o mal do Brasil é antes de tudo o mal de ser analfabeto. Talvez sejam idéias de quem começa a envelhecer, mas eu consagro todo o meu entusiasmo o entusiasmo — que é a vida — a este sonho irrealizável.

      — Basta o entusiasmo pelo irrealizável para que um homem seja perfeito, já disse Barrès.

      Bilac sorriu.

      — Mas então não queres ler decididamente os pensamentos dos quarenta membros da Academia Francesa?

      — Eu venho para coisas muito mais graves.

      — Tenho que há na vida coisas que se dizem mas não se escrevem, coisas que só se escrevem e outras que nem se escrevem nem se dizem mas apenas se pensam. Seria feliz se me viesses perguntar aquela, que sem me entristecer aos outros, pudesse ser pensada, falada e escrita. É entretanto difícil...

      Eu ouvia-o embevecido. A originalidade desse homem reside na sua sensibilidade extrema e sorridente, na sua impecabilidade, nessa doçura como que rítmica que harmoniza os seus períodos e o acompanha na vida. Bilac chegou à perfeição — é sagrado. Não há quem não o admire, não há quem não o louve. As fadas, que são quase uma verdade, fizeram da sua existência uma sinfonia deliciosa, e como o seu talento não tem desfalecimentos e a sua atividade é sempre fecunda, a admiração se perpetua. É o poeta da cidade como Catulo o era de Roma e como Apuleio o era de Cartago. Todos o conhecem e todos o respeitam. Os editores vendem anualmente quatro mil exemplares de seu livro de versos, realizando o que até então era o impossível. Onde vá, o louvor acompanha-o. A cidade ama-o. Nenhum poeta contemporâneo teve o destino luminoso de empolgar exclusivamente a admiração. Ele é o pontífice dos artistas e dos que o não são. Há homens que guardam em cofres tudo quanto tem escrito de esparso na sua múltipla colaboração jornalística e não há um dia em que pelo menos não receba dos confins da província ou dos bairros aristocráticos meia dúzia de cartas chamando-o de admirável. E nunca a sua túnica branca teve uma ruga desgraciosa, nunca nos seus períodos a elegância deixou de brilhar. Quando escreve, os jornais aumentam a tiragem com as suas crônicas, e o seu estilo impecável aureola de simpatia todos os assuntos; quando fala, as suas palavras admiráveis, talhadas como em mármore e diamante, lembram os jardins de Academos e as prosas sábias do cais de Alexandria, no tempo dos Ptolomeus.


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