A Ordem. Daniel Silva

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A Ordem - Daniel Silva


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      Na manhã seguinte, depois do pequeno-almoço, deixaram as crianças na casa dos Zolli e apressaram-se a ir para Santa Lucia a tempo de apanharem o comboio das oito para Roma. Enquanto as planícies ondulantes do centro de Itália deslizavam pela janela, Gabriel leu os jornais e trocou alguns e-mails e mensagens de rotina com a Avenida Rei Saul. Chiara folheava uma volumosa pilha de revistas e catálogos de decoração de interiores, lambendo a ponta do dedo indicador ao virar cada página.

      Ocasionalmente, quando a combinação de luz e sombras era favorável, Gabriel vislumbrava o reflexo de ambos no vidro. Tinha de reconhecer que eram um casal atraente, ele vestido com um elegante fato escuro e camisa branca, Chiara com umas leggings pretas e um casaco de cabedal. Apesar da pressão e das longas jornadas que caracterizavam o seu trabalho (e dos seus muitos ferimentos e encontros com a morte), Gabriel achava que se conservara bastante bem. Sim, as rugas em redor dos seus olhos cor de jade estavam um pouco mais profundas, mas continuava a ser um ciclista ágil e mantivera todo o seu cabelo, curto e escuro, mas muito grisalho nas têmporas. Mudara de cor quase de um dia para o outro, pouco depois do primeiro assassínio que executara a mando do Departamento. A operação tivera lugar no outono de 1972, na cidade onde chegariam em breve.

      Enquanto se aproximavam de Florença, Chiara pôs-lhe um catálogo debaixo do nariz, pedindo-lhe a opinião sobre o sofá e a mesa de apoio exibidos na página aberta. A resposta indiferente de Gabriel valeu-lhe um olhar de ligeira repreensão. Aparentemente, Chiara já começara a vasculhar os anúncios das agências imobiliárias à procura da nova casa, acrescentando ainda mais provas à teoria de Gabriel de que o regresso a Veneza estava a ser planeado há algum tempo. Por agora, restringira a busca a duas propriedades, uma em Cannaregio e outra em San Polo, com vista para o Grande Canal. Ambas diminuiriam substancialmente a pequena fortuna que Gabriel acumulara com os seus trabalhos como restaurador e ambas exigiriam que Chiara fosse diariamente de transporte público para os escritórios de Tiepolo, em São Marcos. O apartamento de San Polo ficava muito mais perto, a algumas paragens de vaporetto, mas custava também o dobro do preço.

      — Se vendêssemos o apartamento da Narkiss Street…

      — Não vamos vendê-lo — disse Gabriel.

      — O apartamento de San Polo tem um espaço incrível, com tetos altos, onde podes construir um estúdio a preceito.

      — O que quer dizer que vou ter de aceitar encomendas particulares para complementar o salário miserável que vou ganhar a trabalhar para ti.

      — Exatamente.

      O telefone de Gabriel soou com o toque reservado para mensagens urgentes da Avenida Rei Saul. Chiara observou-o ansiosamente, enquanto ele lia.

      — Vamos para casa?

      — Ainda não.

      — O que é?

      — Um atentado com um carro-bomba na Potsdamer Platz, em Berlim.

      — Vítimas?

      — Provavelmente. Mas ainda não há confirmação.

      — Quem foi?

      — O Estado Islâmico está a reivindicar a responsabilidade.

      — Eles têm capacidade para fazer explodir uma bomba na Europa Ocidental?

      — Se me tivesses perguntado isso ontem, ter-te-ia dito que não.

      Gabriel seguiu as atualizações que chegavam de Berlim até à chegada do comboio a Roma Termini. No exterior, o céu estava azul-celeste e sem nuvens. Gabriel e Chiara caminharam por veredas ocres de terracota, mantendo-se em ruas secundárias e vielas, onde as sentinelas eram mais fáceis de identificar. Enquanto deambulavam vagarosamente pela Piazza Navona, concordaram que não estavam a ser seguidos.

      O ristorante Piperno ficava a uma curta distância para sul, num campo sossegado próximo do Tibre. Chiara entrou primeiro e foi conduzida a uma mesa cobiçada, perto da janela, por um empregado de mesa de casaco branco, deslumbrado pela sua beleza. Gabriel, que chegou três minutos depois, sentou-se no exterior, sob a luz quente do sol outonal. Conseguia ver os polegares de Chiara premindo furiosamente o teclado do telefone. Retirou o seu telefone do bolso interior do blazer e escreveu: Passa-se alguma coisa?

      A resposta de Chiara chegou poucos segundos depois. O teu filho acaba de partir o jarrão preferido da minha mãe.

      De certeza que foi culpa do jarrão, não dele.

      A tua companhia para o almoço chegou.

      Gabriel observou, enquanto um Fiat antigo se arrastava hesitantemente sobre as pedras da calçada do minúsculo campo. Tinha uma matrícula romana normal, não a matrícula especial SCV, reservada para viaturas do Vaticano. Um clérigo alto e elegante emergiu do banco de trás. A sua batina e peregrineta negras eram debruadas a amaranto, a plumagem de um arcebispo. A sua chegada ao ristorante Piperno provocou só ligeiramente menos tumulto do que a de Chiara.

      — Desculpa — disse Luigi Donati, enquanto se sentava em frente de Gabriel. — Nunca devia ter aceitado falar com aquela jornalista da Vanity Fair. Hoje em dia, não posso ir a nenhum lado em Roma sem ser reconhecido.

      — Porque é que deste a entrevista?

      — Ela deixou claro que ia escrever o artigo, com ou sem a minha colaboração.

      — E acreditaste nisso?

      — Ela prometeu que seria um perfil sério de um homem que ajudou a conduzir a Igreja através de águas agitadas. Acabou por não ser como prometido.

      — Suponho que estejas a referir-te à parte sobre a tua aparência física.

      — Não me digas que leste o artigo.

      — Cada palavra.

      Donati franziu o sobrolho.

      — Devo dizer que o Santo Padre gostou bastante. Achou que fazia a Igreja parecer cool. Foi exatamente esta palavra que ele usou, já agora. Os meus rivais na Cúria não concordaram. — Mudou bruscamente de assunto. — Peço desculpa por ter interrompido as tuas férias. Espero que a Chiara não tenha ficado zangada.

      — Pelo contrário.

      — Estás a dizer-me a verdade?

      — Alguma vez te enganei?

      — Queres mesmo que eu responda a isso? — Donati sorriu. Fê-lo com esforço.

      — Como é que estás a aguentar-te? — perguntou Gabriel.

      — Estou a fazer o luto pela perda do meu mestre e a ajustar-me às minhas novas circunstâncias modestas e à perda de estatuto.

      — Onde é que estás hospedado?

      — Na Cúria Jesuíta. É no final da rua do Vaticano, na Borgo Santo Spirito. Os meus aposentos não são tão bons como o meu apartamento no Palácio Apostólico, mas são bastante confortáveis.

      — Arranjaram-te alguma coisa para fazeres?

      — Vou ensinar Direito Canónico na Gregoriana. Também estou a preparar um curso sobre a história conturbada da Igreja com os judeus. — Fez uma pausa. — Talvez algum dia consiga convencer-te a dares uma palestra como convidado.

      — Já imaginaste?

      — Na verdade, já. A relação entre as nossas duas fés nunca esteve melhor, e isso deve-se à tua amizade pessoal com o Pietro Lucchesi.

      — Enviei-te uma mensagem, na noite em que ele faleceu — disse Gabriel.

      — Significou muito para mim.

      — Porque é que não me respondeste?

      — Pela mesma razão que não enfrentei o cardeal Albanese quando ele se recusou a autorizar a tua presença no funeral. Precisava da tua ajuda numa questão sensível e não queria atrair atenção desnecessária para a proximidade da nossa relação.

      — E a questão


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