A Ordem. Daniel Silva

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A Ordem - Daniel Silva


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Veronica estava a descrever a Gabriel a vida que esperava Donati, quando o Anel do Pescador fosse retirado do dedo de Pietro Lucchesi pela última vez. Um cargo de professor numa universidade pontifícia, um lar para padres envelhecidos. Tão sozinho. Tão terrivelmente triste e sozinho… Ocorreu a Gabriel que Veronica, viúva e disponível, talvez tivesse outros planos.

      Ela elogiou demoradamente o vestido e as pérolas de Chiara. Depois, perguntou pelas crianças e por Veneza, antes de lamentar o estado em que Roma, outrora o centro do mundo civilizado, caíra. Atualmente, era uma obsessão nacional. Oitenta por cento das ruas da cidade estavam repletas de buracos por reparar, o que fazia de conduzir, e até de caminhar, uma missão altamente arriscada. As crianças levavam papel higiénico nas mochilas, porque as casas de banho das escolas não tinham. Os autocarros de Roma circulavam permanentemente atrasados, quando circulavam. Recentemente, uma escada rolante de uma estação de metro movimentada amputara o pé de um turista. E ainda havia, disse Veronica, os contentores de lixo a transbordar e os montes de resíduos não recolhidos. O site mais popular da cidade era o Roma Fa Schifo, «Roma É Nojenta».

      — E quem é que é responsável por esta situação deplorável? Há alguns anos, o procurador-chefe de Roma descobriu que a Máfia tinha assumido o controlo do governo municipal e andava a desfalcar, de forma paulatina, os cofres da cidade. O contrato da recolha de lixo foi atribuído a uma empresa pertencente à Máfia. Evidentemente, a empresa não se deu ao trabalho de recolher o lixo, porque fazê-lo custaria dinheiro e reduziria a sua margem de lucro. Aconteceu o mesmo com a manutenção das ruas. Para quê incomodarem-se a reparar um buraco? Reparar buracos custa dinheiro. — Veronica abanou lentamente a cabeça. — A Máfia é a maldição de Itália. — Depois, com um olhar de soslaio para Gabriel, acrescentou: — E a minha também.

      — Tudo vai melhorar, agora que o Saviano é primeiro-ministro.

      Veronica fez uma careta.

      — Será que não aprendemos nada com o passado?

      — Pelos vistos, não.

      Ela suspirou.

      — Ele visitou o museu, recentemente. Foi perfeitamente encantador, como a maioria dos demagogos. É fácil perceber porque é que ele é apelativo para italianos que não vivem em palazzos perto da Via Veneto. — Pousou a mão sobre o braço de Donati, de forma breve. — Ou atrás das paredes do Vaticano. O Saviano odiava o Santo Padre pelo facto de ele defender os imigrantes e advertir sobre os perigos da ascensão da extrema-direita. Via isso como um ataque direto, orquestrado por esse esquerdista do secretário pessoal do Santo Padre.

      — E era?

      Antes de responder, Donati deu um gole pensativo no seu vinho.

      — Na última vez que a extrema-direita tomou o poder em Itália e na Alemanha, a Igreja manteve-se em silêncio. Na verdade, houve elementos poderosos no seio da Cúria que apoiaram a ascensão do fascismo e do nacional-socialismo. Viram Mussolini e Hitler como bastiões contra o bolchevismo, que era abertamente hostil ao catolicismo. Eu e o Santo Padre decidimos que, desta vez, não iríamos cometer o mesmo erro.

      — E, agora — disse Veronica Marchese —, o Santo Padre está morto e há um guarda suíço desaparecido. — Olhou para Gabriel. — O Luigi disse-me que aceitou procurá-lo.

      Gabriel franziu o sobrolho para Donati, que estava, subitamente, a retirar um borboto da sua batina imaculada.

      — Falei demais? — perguntou Veronica.

      — Não. O arcebispo é que falou.

      — Não se zangue com ele. A vida na gaiola dourada do Palácio Apostólico pode ser muito solitária. Muitas vezes, o arcebispo procura os meus conselhos sobre assuntos seculares. Como sabe, tenho relações privilegiadas nos círculos políticos e sociais de Roma. Uma mulher na minha posição ouve todo o tipo de coisas.

      — Tais como?

      — Rumores — respondeu ela.

      — Que tipo de rumores?

      — Sobre um guarda suíço jovem e bonito que foi visto numa discoteca gay com um padre da Cúria. Quando contei ao arcebispo, ele avisou-me de que as alegações não comprovadas podem causar danos irreparáveis na reputação de uma pessoa e aconselhou-me a não as difundir.

      — O arcebispo deve saber o que diz — observou Gabriel. — Mas pergunto-me porque é que ele não referiu nada disso ao almoço desta tarde.

      — Talvez tenha pensado que não era relevante.

      — Ou talvez tenha pensado que eu iria ficar relutante em ajudá-lo, se achasse que ia ser envolvido num escândalo sexual do Vaticano.

      O telefone de Gabriel voltou a vibrar contra o seu peito. Era uma mensagem da Avenida Rei Saul.

      — Há algum problema? — perguntou Donati.

      — Parece que a ficha do Janson foi apagada da rede informática da Guarda Suíça, umas horas depois da morte do Santo Padre. — Gabriel trocou um olhar de relance com Chiara, que estava a conter um sorriso. — Os meus colegas da Unidade 8200 estão a procurar no backup do sistema.

      — Vão encontrar alguma coisa?

      — Os ficheiros informáticos são um pouco como os pecados, Vossa Excelência.

      — Como assim?

      — Podem ser absolvidos, mas nunca desaparecem totalmente.

      Jantaram na magnífica açoteia do palazzo, debaixo dos aquecedores a gás que aqueciam o ar frio da noite. Foi uma típica refeição romana, ravioli de espinafres com manteiga e sálvia, seguidos de vitela assada com verduras frescas. A conversa fluiu tão facilmente como as três garrafas de Brunello vintage que Veronica desenterrou da garrafeira de Carlo. Donati parecia completamente à vontade, na sua armadura clerical negra, com Veronica à sua direita e as luzes de Roma a cintilarem suavemente atrás de si. Podia estar degradada e imunda, e ser irremediavelmente corrupta, mas, vista do terraço de Veronica Marchese, com o ar puro, frio e perfumado pelo aroma dos cozinhados, parecia, aos olhos de Gabriel, a mais bela cidade do mundo.

      O nome de Carlo nunca foi mencionado durante o jantar e não houve qualquer indício da violência e do escândalo que os uniam. Donati especulou sobre o resultado do conclave, mas evitou o assunto da morte de Lucchesi. Parecia, acima de tudo, estar atento a cada palavra que Veronica proferia. O afeto entre eles era dolorosamente óbvio. Donati estava a caminhar à beira de uma fenda alpina. Pelo menos para já, Deus estava a protegê-lo.

      Só o telefone de Gabriel servia como recordatório do motivo pelo qual se tinham reunido naquela noite. Pouco depois das dez, estremeceu com uma atualização de Telavive. Os ciberdetetives da Unidade 8200 tinham conseguido recuperar a candidatura original de Niklaus Janson à Guarda Suíça. A atualização seguinte chegou às dez e meia, quando a Unidade encontrou a sua ficha de serviço completa. Estava escrita em alemão da Suíça, a língua oficial da Guarda. Continha uma referência aos dois recolheres obrigatórios violados, mas nada sobre uma relação sexual com um padre da Cúria.

      — E o número de telemóvel? Tem de estar lá. Os guardas estão sempre de plantão.

      — Paciência, Vossa Excelência.

      A espera pela mensagem seguinte durou apenas dez minutos.

      — Encontraram um antigo ficheiro de contactos que incluía o segundo-cabo Niklaus Janson. Contém um número de telemóvel e dois e-mails, uma conta do Vaticano e uma conta pessoal do Gmail.

      — E agora? — perguntou Donati.

      — Descobrimos onde está o telefone e se o Niklaus Janson ainda está na posse dele.

      — E depois?

      — Ligamos-lhe.

      12

      ROMA–FLORENÇA

      Donati foi


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