Mestres da Poesia - Florbela Espanca. August Nemo

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Mestres da Poesia - Florbela Espanca - August Nemo


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sempre perguntando. «O que te resta?...»

      Ah! não ser mais que o vago, o infinito!

      Ser pedaço de gelo, ser granito,

      Ser rugido de tigre na floresta!

      Amiga

      Deixa-me ser a tua amiga, Amor;

      A tua amiga só, já que não queres

      Que pelo teu amor seja a melhor

      A mais triste de todas as mulheres.

      Que só, de ti, me venha mágoa e dor

      O que me importa a mim?! O que quiseres

      É sempre um sonho bom! Seja o que for

      Bendito sejas tu por mo dizeres!

      Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...

      Como se os dois nascêssemos irmãos,

      Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

      Beija-mas bem!... Que fantasia louca

      Guardar assim, fechados, nestas mãos,

      Os beijos que sonhei p’ra minha boca!...

      Desejos vãos

      Eu qu'ria ser o Mar de altivo porte

      Que ri e canta, a vastidão imensa!

      Eu qu'ria ser a pedra que não pensa,

      A Pedra do caminho, rude e forte!

      Eu qu'ria ser o Sol, a luz intensa,

      O bem do que é humilde e não tem sorte!

      Eu qu'ria ser a árvore tosca e densa

      Que ri do mundo vão e até da morte!

      Mas o Mar também chora de tristeza...

      As Árvores também, como quem reza,

      Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

      E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia,

      Tem lágrimas de sangue na agonia!

      E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...

      Pior velhice

      Sou velha e triste. Nunca o alvorecer

      Dum riso são andou na minha boca!

      Gritando que me acudam, em voz rouca,

      Eu, naufraga da Vida, ando a morrer!

      A Vida que ao nascer enfeita e touca

      De alvas rosas, a fronte da mulher,

      Na minha fronte mística de louca

      Martírios só poisou a emurchecer!

      E dizem que sou nova... A mocidade

      Estará só, então, na nossa idade,

      Ou está em nós e em nosso peito mora?!...

      Tenho a pior velhice, a que é mais triste,

      Aquela onde nem sequer existe

      Lembrança de ter sido nova... outrora...

      A um livro

      No silêncio de cinzas do meu Ser

      Agita-se uma sombra de cipreste.

      Sombra roubada ao livro que ando a ler,

      A esse livro de mágoas que me deste.

      Estranho livro aquele que escreveste

      Artista da saudade e do sofrer!

      Estranho livro aquele em que puseste

      Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

      Leio-o e folheio, assim, toda a minh'alma!

      O livro que me deste é meu e salma

      As orações que choro e rio e canto!...

      Poeta igual a mim, ai quem me dera

      Dizer o que tu dizes!... Quem soubera

      Velar a minha Dor desse teu manto!...

      Alma perdida

      Toda esta noite o rouxinol chorou,

      Gemeu, rezou, gritou perdidamente!

      Alma de rouxinol, alma da gente,

      Tu és, talvez, alguém que se finou!

      Tu és, talvez, um sonho que passou,

      Que se fundiu na Dor, suavemente...

      Talvez sejas a alma, alma doente

      De alguém que quis amar e nunca amou!

      Toda a noite choraste... e eu chorei

      Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei

      Que ninguém é mais triste do que nós!

      Contaste tanta coisa à noite calma,

      Que eu pensei que tu eras a minh'alma

      Que chorasse perdida em tua voz!...

      De joelhos

      «Bendita seja a Mãe que te gerou.»

      Bendito o leite que te fez crescer.

      Bendito o berço aonde te embalou

      A tua ama, p'ra te adormecer!

      Bendita essa canção que acalentou

      Da tua vida o doce alvorecer...

      Bendita seja a lua que inundou

      De luz, a terra, só para te ver...

      Benditos sejam todos que te amarem,

      As que em volta de ti ajoelharem,

      Numa grande paixão fervente e louca!

      E se mais que eu, um dia, te quiser

      Alguém, bendita seja essa Mulher,

      Bendito seja o beijo dessa boca!!

      Languidez

      Tardes da minha terra, doce encanto,

      Tardes duma pureza de açucenas,

      Tardes de sonho, as tardes de novenas,

      Tardes de Portugal, as tardes de Anto.

      Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!...

      Horas benditas, leves como penas,

      Horas de fumo e cinza, horas serenas,

      Minhas horas de dor em que eu sou santo!

      Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,

      Que poisam sobre duas violetas,

      Azas leves cansadas de voar...

      E a minha boca tem uns beijos mudos...

      E as minhas mãos, uns pálidos veludos,

      Traçam gestos de sonho pelo ar...

      Para quê?!

      Tudo é vaidade neste mundo vão...

      Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada!

      E mal desponta em nós a madrugada,

      Vem logo a noite encher o coração!

      Até o amor nos mente, essa canção

      Que o nosso peito ri à gargalhada,

      Flor que é nascida e logo desfolhada,

      Pétalas que se pisam pelo chão!...

      Beijos


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