7 melhores contos de Júlia Lopes de Almeida. August Nemo

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7 melhores contos de Júlia Lopes de Almeida - August Nemo


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fomos geradas, vêm-nos desta natureza portentosa e que por toda a parte nos ensina que a vida é uma grande fonte que não deve secar inutilmente!

      Nos países tropicais a precocidade é tamanha que a existência da menina passa como um sopro e começam bem cedo as responsabilidades da mulher. Por vezes o assalto é tão repentino que não há tempo de preparar na criança o espírito da donzela. Namorada de si mesma, no deslumbramento da mocidade, ela afigurasse-nos então frívola e perigosa. Receia a gente pelo futuro da pobre criança, estonteada pela vida como uma mariposa pela luz. Quanto mais melindrosa é essa quadra, quanto mais vagares tem a imaginação, alvoroçada pelos sentidos, de arquitetar castelos mentirosos! Felizes as donzelas pobres, obrigadas pelas circunstâncias apertadas da vida a empregar a sua inteligência e a sua atividade no trabalho e no estudo! São as mocinhas que, para irem às aulas que freqüentam, engomam as suas saias ou cosem as suas blusas, as mais habilitadas para a resistência das paixões ruins. Decididamente, o trabalho é o melhor saneador de almas! E nós precisamos da nossa muito sã, porque só a virtude da mulher pode salvar os homens, seus filhos e seus irmãos, no descalabro das sociedades arruinadas ou em deliqüescência... A nossa força está na nossa bondade e no nosso critério, coisas que, quando não são naturais, fazem-se pela vontade.

      Nós, as brasileiras, perdemo-nos pelo excesso de sentimento. Ainda não aprendemos a dominar o nosso coração, que se dá em demasia, sem colher por isso grandes resultados...

      O europeu, tratado com rigor pela mãe, não tem por ela menos respeito (talvez tenha mais!) nem menos carinhos que os nossos filhos têm por nós... que nos desfazemos por eles em sacrifícios e ternuras! Parece que a blandície perene enfraquece a alma do indivíduo, tornando-o um pouco indiferente...

      Há muito quem afirme que no Brasil a mulher domina como soberana; e já um escritor português disse dela, relatando as suas observações em um livro de viagem:

      "... A mulher deve ser, entre esta raça, superior a todas as coisas. Vê-la passar na rua e compreender a comoção que ela causa é ter reconhecido todo o alcance do seu prestígio. Inspira devoção, tem um culto. Não é mulher companheira do homem, sua irmã de trabalhos e de penas; é a mulher ídolo, a mulher sacrário. Mãe, filha, esposa ou cortesã, ela será neste país e para este povo a suprema instigadora, e a sua vontade, como o seu capricho, terão o cunho autêntico de leis, assim no lar como nas alcovas. Será ela quem predomine e da sua boa ou má influência dependerá, talvez, o destino histórico desta nacionalidade."

      É possível que assim seja de futuro, visto que a brasileira de hoje tem mais ampla noção da vida; a lição passado, porém, desgraçadamente, é outra.

      A verdade, que deve aparecer aqui, é que nos acontecimentos culminantes da nossa história, aqueles que nos fatos da nacionalidade brasileira iniciam períodos de renovação e de progresso - a independência, a abolição, a república - a intervenção da mulher, direta ou indiretamente considerada, quando não foi nula foi hostil.

      Entretanto, estes fatos, para só falar dos príncipes, tiveram todos longa, persistente, tenacíssima propaganda, e realizaram-se sem a mulher ou... apesar da mulher!

      A sinceridade deste livro, exige este desabafo doloroso.

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      As Rosas

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      O meu jardineiro era um homem de feio aspecto, todo coberto de pelos eriçados, vermelhaço de pele e de olhar desconfiado e sombrio.

      Toda a gente me dizia:

      – Olha que aquele sujeito compromete a tua casa! põe-no fora!...

      Mas, como ele era calado, metido consigo, e porque, principalmente, tratava muito bem das minhas flores, eu levantava os ombros:

      – Não era tanto assim! O pobre homem! Aqueles modos de animal bravio, não os tinha de certo por culpa sua!

      E assim íamos vivendo.

      Uma tarde, em Setembro, desci ao jardim. Que crepúsculo aquele! No céu, esgarçado de nuvens, a lua, em foice, brilhava já, e com tamanha doçura, que dava vontade à gente de não fazer outra coisa senão olhar para ela! Havia também no ar, transparente e calmo, tal delicadeza de colorido, que a minha alma ficaria nela extática, se os olhos, percorrendo tudo, não vissem logo a infinidade de rosas que as minhas roseiras prometiam.

      – Quantos botões, Mãe do Céu!

      – Tudo isto abre esta noite – resmungou o jardineiro...

      – Amanhã haverá centenas de rosas no jardim!

      A minha fantasia desencadeou-se. Centenas de rosas frescas, todas abertas, deveriam dar uma graça nova àquele recanto, pouco acostumado a semelhante fartura de flores.

      Eu mesma quereria colhê-las ainda frescas de orvalho: mandaria um ramalhete a minha mãe, cobriria de rosas a sepultura de minha filha, encheria de rosas a minha casa...

      E, usando de uma forma imperativa e severa, pouco comum em mim, disse ao hirsuto que não tocasse nenhuma flor! Seria eu quem as colhesse todas!

      Ele curvou-se, em obediência.

      Nessa noite, fui cedo para a cama, preparando-me para madrugar no dia seguinte. E tal era o meu propósito, que peguei logo num sono doce e tranquilo.

      Eram seis horas e já eu estava no jardim. Como quem desperta de um sonho, apatetada, olhei à roda e só vi folhas... folhas e mais folhas verdes! nem uma flor!

      Gritei pelo jardineiro, e ele veio, como por encanto, num momento, mas com tal jeito e tão demudadas feições, que tive medo.

      Os olhos, de vermelhos, eram só sangue; a barba áspera, longa e ruiva, estava revolvida como por um vento de loucura, e nos grossos braços tisnados tinha sinais fundos de unhadas...

      – As minhas rosas?! – perguntei-lhe, disfarçando o pavor que a sua figura estranha me infundia.

      – Estão aqui! – disse ele, com voz grossa; e caminhou para o quarto.

      Fui atrás dele, espantadíssima, mal segurando a saia do vestido, que se não molhasse na relva, – cheia de raiva e curiosa ao mesmo tempo.

      O quarto do jardineiro era ao fundo, entre a horta e o jardim, ao pé de dois limoeiros da Pérsia, de gostoso cheiro. Ensombrando a porta, havia uma latada de maracujás, e, à esquina, encostados à parede, estavam os utensílios de jardinagem.

      – Que quererá ele? Perguntava a mim mesma. De repente, estaquei:

      – Não entro – respondi, a um gesto que me fazia.

      – Então, olhe daí! – replicou o homem bruscamente, escancarando a porta.

      Encostei-me ao umbral para não cair. No meio do quarto, sob uma avalanche de rosas, entrevi o corpo de uma mulher.

      – Era minha filha, – disse o jardineiro, entre soluços que mais se assemelhavam a uivos que a dor humana; – um dia abandonou-me, correu por esse mundo... Esta noite, veio bater ao portão, muito chorosa... que o amante lhe batera... Ouviu bem, senhora?! Quis fazê-la jurar que desprezaria agora esse bandido, para viver só no meu carinho... só no meu carinho!... Eu havia de tratá-la com todo o mimo, como se fora uma criancinha... Fiz-lhe mil promessas, de joelhos, com lágrimas... Sabe o que me respondeu, a tudo?! Que amava ainda o outro!


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