Coração em dívida. Ким Лоренс

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Coração em dívida - Ким Лоренс


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fechou os olhos e pensou: «esperemos que eu conseguia recuperar rapidamente o juízo e possa dar a impressão de que tenho mais cérebro que um mosquito».

      «E depressa, por favor!»

      Quando voltou a abrir os olhos, ele tinha desapertado o cinto do sobretudo e um botão do casaco. Aqueles longos dedos cor de azeitona estavam a alisar a gravata cinzenta sobre a camisa branca.

      Flora adivinhou-lhe uma sombra de escuro pelo no peito antes de afastar rapidamente os olhos, ignorando o mal-estar que sentia na pele.

      – Exige algum vestuário especial aos hóspedes?

      Ignorando o tom sarcástico da pergunta, Flora recordou-se a si mesma que devia ser amável com os seus clientes, independentemente do que pudesse pensar deles. Embora, para ser justos, supunha que uma pessoa que acabasse de percorrer aquela estrada sozinho no carro e com aquele temporal devia estar tensa.

      O certo é que aquele homem não parecia tenso, muito pelo contrário. Dava a impressão de ser uma pessoa com autodomínio, que não precisava do consolo de ninguém.

      – Não, claro que não. Bom, temos cabanas nas montanhas, embora não recomende a ninguém sair para o campo com este tempo – respondeu Flora.

      Era incrível a quantidade de gente vinda da cidade que não tinha qualquer respeito pelas inclemências do tempo da ilha e do seu terreno.

      – Ah, e também temos mapas da zona em todos os quartos, embora alguns clientes contratem os serviços dos guias da ilha. E se lhe interessa a geologia, há uns fascinantes…

      – Não me interessa e tenho bom sentido de orientação.

      Fez-se um silêncio que, por fim, Flora interrompeu.

      – Ah, veio pescar? – apesar de precisar desesperadamente de dinheiro, teria preferido que aquele homem não tivesse aparecido.

      – Não, não vim pescar – respondeu ele com a mandíbula tensa.

      Contendo um infantil desejo de dizer-lhe que, na verdade, era-lhe indiferente, Flora sorriu.

      – Bom, espero que goste da sua estadia aqui – Flora hesitou uns segundos antes de admitir: – A verdade é que não sabia que tinha reservado um quarto. Veio de muito longe?

      – Sim.

      «Tenho tido conversas mais interessantes com uma parede de tijolos», pensou Flora sem deixar de sorrir, até que se deu conta de que ele tinha os olhos fixos nos seus cabelos. Conteve o impulso de erguer uma mão para alisar os enredados caracóis que se lhe tinham escapado do rabo-de-cavalo.

      – Bom, acho que foi muito valente por ter vindo no meio desta tempestade… ou talvez atrevido?

      Era lógico perguntar-se quem, senão um louco, viajaria naquelas condições climatéricas, ignorando os avisos de todas as agências de segurança, incluindo a polícia, que tinham rogado a toda a gente que evitasse viajar para a costa até que a tempestade amainasse.

      – Enfim, parece-lhe bem que formalizemos a reserva? Cartão ou… – Flora olhou para o balcão da receção onde costumava estar o livro de registos, ao lado de outro em que os clientes escreviam comentários sobre a estadia.

      Estavam lá o livro de comentários e um jarro de flores, mas não o livro de registos.

      Ivo viu-a levar-se um dedo até entre as sobrancelhas ao mesmo tempo que mostrava uma expressão de concentração, mas foram as orelhas dela que lhe chamaram a atenção. Recusou de imediato o súbito sentimento de simpatia que o dominava, era perturbador.

      Como tinha sido perturbadora a sua reação ao vê-la assim que abrira a porta. Era óbvio que, subconscientemente, presumira que iria deparar-se com uma mulher parecida com a irmã dela, a alta e loira mulher que enfeitiçara Bruno, e ainda não se recuperara da surpresa. Além disso, era obrigado a admitir que a considerava atraente.

      Bom, já o tinha admitido, mas isso só seria um problema se ele permitisse sentir-se atraído.

      E não iria permitir tal coisa.

      – Você é a responsável por este estabelecimento? Flora levantou o queixo. Evidentemente, faltava à personalidade daquele homem a perfeição do seu físico.

      – Sim, sou a pessoa à frente deste estabelecimento – confirmou Flora com mais calma do que aquela que sentia, perguntando-se como reagiria aquele homem se lhe desse um murro no nariz.

      De facto, durante as duas últimas semanas, duas semanas que tinham sido um autêntico pesadelo, não se tinha sentido à frente de nada, embora o tivesse dissimulado bem. Como estava a fazer naquele momento, caminhando com passo decidido ao longo do bar, como se não temesse não encontrar o livro de reservas.

      Mas a sorte estava do seu lado.

      – Bem, aqui está – disse Flora deixando o livro em cima da superfície de madeira reciclada.

      Ainda tinha de esperar uma semana para que lhe levassem a antena parabólica que a ligaria à Internet e ao século XXI e que tornaria desnecessário o velho livro de registos. Essa era outra das despesas que lhe tiravam o sonho.

      Depois de abrir o livro, entre a série de cancelamentos, viu uma reserva para aquela noite que não tinha sido cancelada.

      Flora levantou a cabeça e fez um esforço por sentir a profissionalismo que tinha posto no seu sorriso.

      – Lamento ter esquecido a sua reserva, senhor… – Flora abanou a cabeça, incapaz de decifrar a letra de Fergus.

      – Rocco – respondeu Ivo, indicando o apelido da sua mãe, tal como tinha feito por telefone ao fazer a reserva. Não tinha querido confessar quem era antes de perceber qual era a situação.

      – Bem, senhor Rocco, peço-lhe desculpa pelo mal-entendido e pelo que talvez não tenha sido uma boa receção. Estava certa de que, devido à tempestade, todas as reservas tinham sido canceladas.

      Ele desviou os escuros olhos para a janela açoitada pela chuva.

      – Quer dizer que não recebe sempre assim os seus clientes?

      O comentário fora feito sem sinal do humor que o teria tornado aceitável. Flora resistiu ao impulso de sair em defesa do seu estabelecimento, da sua querida casa.

      O seu sorriso quase se desvaneceu ao pensar na sua irmã. Em segundos, Sami teria conseguido que aquele homem comesse da palma da sua mão. Uma vez mais, foi dominada por um profundo sentimento de perda. Quase desejou que Jamie acordasse para poder ter uma distração para a sua dor.

      – Apetece-lhe um copo? Talvez lhe calhe bem, depois da viagem – Flora agachou-se para agarrar a garrafa de whisky velho que reservava para ocasiões como aquela.

      A garrafa do «último recurso», como lhe chamava Bruno, para ser utilizada quando tudo o resto tinha falhado com um cliente. Tinham tido poucos clientes difíceis e, até à data, só tinham bebido aquele whisky para celebrar algo.

      Ivo fixou o olhar na forma como as calças de ganga se cingiam às redondas nádegas da ruiva quando ela se agachou para agarrar a garrafa. Decidiu que era um olhar desinteressado, só que a pontada que sentiu entre as pernas não tinha nada de desinteresse.

      Flora endireitou-se e pôs a garrafa em cima do balcão para que ele pudesse ler a marca e o ano, mas a expressão do homem permaneceu imperturbável.

      – Oferta da casa, obviamente – disse ela imediatamente.

      – Não – respondeu o seu hóspede, recusando a generosa oferta com um olhar que lhe tirou o sorriso. – E agora, se poder mostrar-me o menu…

      Flora ficou perplexa.

      – O menu?

      Ele arqueou uma sobrancelha e contemplou o rubor que lhe subia pelo rosto.

      – Fergus, o cozinheiro, já saiu. Lamento.

      – A cozinha está


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