Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III. Luis de Camoes

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Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - Luis de Camoes


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p>Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III

      RIMAS

      REDONDILHAS

      Sôbolos rios que vão

      Por Babylonia, me achei,

      Onde sentado chorei

      As lembranças de Sião,

      E quanto nella passei.

      Alli o rio corrente

      De meus olhos foi manado;

      E tudo bem comparado,

      Babylonia ao mal presente,

      Sião ao tempo passado.

      Alli lembranças contentes

      N'alma se representárão;

      E minhas cousas ausentes

      Se fizerão tão presentes,

      Como se nunca passárão.

      Alli, despois d'acordado,

      Co'o rosto banhado em ágoa,

      Deste sonho imaginado,

      Vi que todo o bem passado

      Não he gôsto, mas he mágoa.

      E vi que todos os danos

      Se causavão das mudanças,

      E as mudanças dos anos;

      Onde vi quantos enganos

      Faz o tempo ás esperanças.

      Alli vi o maior bem

      Quão pouco espaço que dura;

      O mal quão depressa vem;

      E quão triste estado tem

      Quem se fia da ventura.

      Vi aquillo que mais val

      Qu'então s'entende melhor,

      Quando mais perdido for:

      Vi ao bem succeder mal,

      E ao mal muito peor.

      E vi com muito trabalho

      Comprar arrependimento:

      Vi nenhum contentamento;

      E vejo-me a mi, qu'espalho

      Tristes palavras ao vento.

      Bem são rios estas ágoas

      Com que banho este papel:

      Bem parece ser cruel

      Variedade de mágoas,

      E confusão de Babel.

      Como homem, que por exemplo

      Dos trances em que se achou,

      Despois que a guerra deixou,

      Pelas paredes do templo

      Suas armas pendurou:

      Assi, despois qu'assentei

      Que tudo o tempo gastava,

      Da tristeza que tomei,

      Nos salgueiros pendurei

      Os orgãos com que cantava.

      Aquelle instrumento ledo

      Deixei da vida passada,

      Dizendo: Musica amada,

      Deixo-vos neste arvoredo

      Á memoria consagrada.

      Frauta minha, que tangendo

      Os montes fazieis vir

      Par'onde estaveis, correndo;

      E as ágoas, que hião descendo,

      Tornavão logo a subir;

      Jamais vos não ouvirão

      Os tigres, que s'amansavão;

      E as ovelhas, que pastavão,

      Das hervas se fartarão,

      Que por vos ouvir deixavão.

      Ja não fareis docemente

      Em rosas tornar abrolhos

      Na ribeira florecente;

      Nem poreis freio á corrente,

      E mais se for dos meus olhos.

      Não movereis a espessura,

      Nem podereis ja trazer

      Atraz vós a fonte pura;

      Pois não pudestes mover

      Desconcertos da ventura.

      Ficareis offerecida

      Á Fama, que sempre vela,

      Frauta de mi tão querida;

      Porque mudando-se a vida,

      Se mudão os gostos della.

      Acha a tenra mocidade

      Prazeres accommodados;

      E logo a maior idade

      Ja sente por pouquidade

      Aquelles gostos passados.

      Hum gôsto, que hoje s'alcança,

      Á manhãa ja o não vejo:

      Assi nos traz a mudança

      D'esperança em esperança,

      E de desejo em desejo.

      Mas em vida tão escassa

      Qu'esperança será forte?

      Fraqueza da humana sorte,

      Que quanto da vida passa

      Está recitando a morte!

      Mas deixar nesta espessura

      O canto da mocidade:

      Não cuide a gente futura

      Que será obra da idade

      O que he fôrça da ventura.

      Qu'idade, tempo, e espanto

      De ver quão ligeiro passe,

      Nunca em mi puderão tanto,

      Que, postoque deixo o canto,

      A causa delle deixasse.

      Mas em tristezas e nojos,

      Em gôsto e contentamento;

      Por sol, por neve, por vento,

      Tendré presente á los ojos

      Por quien muero tan contento.

      Orgãos e frauta deixava,

      Despôjo meu tão querido,

      No salgueiro que alli'stava,

      Que para tropheo ficava

      De quem me tinha vencido.

      Mas lembranças da affeição

      Que alli captivo me tinha,

      Me perguntárão então,

      Qu'era da musica minha,

      Que eu cantava em Sião?

      Que foi daquelle cantar,

      Das gentes tão celebrado?

      Porque o deixava de usar,

      Pois sempre ajuda a passar

      Qualquer trabalho passado?

      Canta o caminhante ledo

      No caminho trabalhoso

      Por entre o espêsso arvoredo;

      E de noite o temeroso

      Cantando refreia o medo.

      Canta o preso docemente,

      Os duros grilhões tocando;

      Canta o segador contente;

      E o trabalhador, cantando,

      O trabalho menos sente.

      Eu qu'estas cousas


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