Um club da Má-Lingua. Dostoyevsky Fyodor

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Um club da Má-Lingua - Dostoyevsky Fyodor


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de que attentou contra a minha vida!

      – Muito bem! muito bem, tiosinho! responde Pavel Alexandrovitch, fica a meu cuidado. Mas oiça lá; se lhe perdoasse por esta vez, hein, que lhe parece?

      – Por caso nenhum! Tenho a certeza de que quiz dar cabo de mim, elle e mais o Lavrenty, que eu deixei lá em casa. Ora imaginem, encasquetaram-se-lhe as taes ideias novas, uma negação… que eu sei lá… e era um communista em toda a extensão da palavra. Quando me vejo a sós com elle… fico logo em suores frios.

      – Ah! que verdade, principe! Não pôe na sua ideia o que eu tambem tenho aturado a esta sucia! Já despedi por duas vezes toda a creadagem. Que gente tão estupida! Anda uma pessoa a ralhar com elles de manhã até á noite.

      – E… stá claro! Gosto de ver um lacaio que não fure paredes, observou o principe, satisfeito, como aliás succede aos velhos, de que lhes escutem com respeito a tagarelice, – é até a principal qualidade de qualquer lacaio… uma to… leima sincera… em certas occasiões. Incute-lhes uma certa imponencia… solemnidade! N'uma palavra, é mais distincto, e eu, a primeira qualidade que exijo a um serviçal é a distincção. É por isso, que conservo o Tarenty, estás lembrado do Tarenty, meu amigo? Assim que o vi, percebi-lhe a vocação: Has de ser porteiro. É phe… e-nome-nalmente es… tupido. Com aquelles olhos de carneiro mal morto: Mas que boa presença! que solemnidade! Em pondo a gravata branca, faz um figurão! Gosto d'elle deveras! Eu, ás vezes, ponho-me a olhar para elle, e não me canço de o ver: ali onde o vêem, está escrevendo um livro… É um verdadeiro philosopho a… al… lemão, o proprio Kant, ou antes, um, perú gordo e bem comido, um ser incompleto, tal qual cumpre a todo e qualquer se… er… viçal.

      Maria Alexandrovna ri ás gargalhadas e bate palmas; Pavel Alexandrovitch faz côro: acha immensa graça ao tio. A Nastassia Petrovna ri tambem; e a propria Zina dá um ar de riso.

      – Mas que graça, principe! que alegria! exclama Maria Alexandrovna. Que preciosa faculdade de observar ridiculos… E desappareceu o senhor da sociedade! Privar assim de um talento o mundo durante cinco annos inteiros!.. Mas podia até escrever comedias, principe! Podia muito bem restituir-nos Visine, Griboiedov, Gogol!

      – É verdade, é verdade!.. confirma encantado o principe… eu podia restituir… Quer crêr? Eu d'antes tinha muita graça, até escrevi para o theatro um vô… ô… deville. Com umas coplas que eram uma delicia! Por signal que nunca foi representado.

      – Que pena! Como havia de ser divertido? Sabes o que te digo, Zina, que vinha mesmo a proposito. Nós, justamente, principe, andamos a combinar umas récitas de amadores com um fim de beneficencia patriotica, em favor dos feridos… Vinha mesmo ao pintar o seu vaudeville.

      – E… stá claro, estou prompto a escrevêl-o. De mais a mais, já nem me lembra uma palavra, mas tenho de memoria um ou dois trocadilhos que… (O principe beija as pontas dos dedos.) Eu, em geral, quando estava no estrangeiro… fazia um verda… deiro furor… Lembro-me de mylord Byron… fomos muito intimos… Dansava á maravilha a krakoviak no congresso de Vienna…

      – Mylord Byron, meu tio? Ora vamos, que está para ahi a dizer!

      – Está claro!.. Byron. E d'ahi, talvez fosse outro. Exactamente, era um polaco, lembro-me agora muito bem; um grande original, o tal polaco! Intitulava-se conde, e porfim, veiu-se a saber que era cozinheiro.

      Mas dansava lindamente a krakoviak. Quebrou uma perna. Foi n'essa occasião, até, que lhe fiz estes versos:

      O nosso conde polaco

      Dansava a krakoviak

      E d'ahi… já me esqueceu… ah!

      Desde que partiu a perna,

      Nunca mais pôde dansar.

      – Sim, sim, deve de ser isso, rico tiozinho! exclama Mozgliakov, pôdre de riso!

      – Está c-claro! Quer-me parecer que seria isto ou coisa que o valha. E d'ahi é possivel que não seja. O que lhes sei dizer é que os versos me saíram muito bons. Escapam-me certas coisas, tenho tanto que fazer!

      – Mas, não me dirá, principe, pergunta com muito interesse Maria Alexandrovna, em que é que se occupa n'aquella sua solidão? Lembrava-me tanta vez do principe! Estou a arder de impaciencia por saber tudo por miudos…

      – Em que é que me occupo! Ora essa… immensa coisa em que me occupar… em geral. Umas vezes descanso, outras vezes dou o meu passeio… a imaginar cá umas coisas…

      – Deve de ter muita imaginação, rico tiozinho.

      – Muita, meu caro. Ás vezes, acontece-me imaginar coisas de que eu proprio fico pasmado. Quando eu estava em Kadnievo… A proposito, tu não foste vice-governador em Kadnievo?

      – Eu, tiozinho? Que está dizendo! Pelo amor de Deus! exclama Pavel Alexandrovitch.

      – E eu a confundir-te com elle…

      E dizia eu commigo: Por que será que elle está tão mudado?.. Porque o outro tinha uma phisionomia imponente, espirituosa… um homem extra-a-ordina… ria… mente intelligente. Compunha sempre versos… a proposito… De perfil, era tal qual um rei de copas.

      – Acredite, principe, interrompeu Maria Alexandrovna, essa vida ha de deitál-o a perder, lhe juro eu! Encerrar-se durante cinco annos n'um ermo! Não ver, não ouvir pessoa alguma!.. Sabe o que lhe digo, o principe é um homem perdido! Pergunte a algum dos seus amigos, que lhe sejam fieis, e todos lhe dirão isto mesmo: é um homem perdido!

      – De… de… vé-éras? arrasta o principe.

      – Com certeza… Digo-lh'o como se fôra uma irmã, porque sou muito sua amiga, – pois que as recordações do passado, para mim são sagradas. Que interesse poderia eu ter em o enganar? Nada, nada, é preciso absolutamente mudar de vida, aliás, não resiste?..

      – Valha-me Deus! pois eu hei de morrer, assim, tão depressa? exclama o principe, assustadissimo. E caso é que adivinhou: as minhas humorroides dão cabo de mim, e ha uns tempos para cá, principalmente… e quando me atacam as crises, tenho sin-tó-ó-mas es… espan… tosos… Eu já lhe vou contar tudo… por miudos…

      – Deixe lá, tiozinho, contará isso tudo, para outra vez. Agora, não será tempo de irmos dar o nosso passeio?

      – Pois, sim, vá lá, ficará para outra vez; e d'ahi talvez não interésse… Mas com tudo isso… é uma doença… extrê-ê-mamente interessante. Com uma tal variedade de episodios! Vê se me lembras, meu caro, contar esta noite, com todos os pormenores, uma certa particularidade das humorroides.

      – Ora, escute, principe, atalhou ainda Maria Alexandrovna. Devia ir ao estrangeiro, para ver se se curava.

      – É isso, é! Ao estrangeiro, absolutamente. Lembro-me de que, ahi por 1820, a gente divertia-se im-men-sa-mente no estrangeiro. Estive para casar com uma viscondessa, e era francêsa. Eu estava apaixonado por ella, e queria consagrar-lhe toda a minha vida. Que ella, aliás, casou com outro… Caso exquisito!.. Tinha estado em casa della não havia ainda duas horas, e foi n'este meio tempo que um barão allemão a conquistou. Veiu a acabar n'um hospital de doidos.

      – Mas, caro principe, estavamos falando na sua saúde, e dizia-lhe eu que devia pensar n'isso muito a sério. Ha grandes medicos lá pelo estrangeiro. De mais a mais a mudança de ar, já por si, é importantissima. Terá que renunciar a Dukhanovo, por uns tempos, quando menos.

      – Abso-o-lu-tamente! Já me conformei, tenciono tratar-me pela hy-dro… the… rapia.

      – Pela hydrotherapia?

      – Está claro! Foi isso mesmo que eu disse, pela hy… dro… the… rapia. Já me tratei pela hy… drotherapia. Estava eu nas aguas. Tambem lá estava uma senhora de Moscou, varreu-se-me o nome, uma mulher muito poetica, com setenta annos, ou coisa assim; tinha uma filha com uns cincoenta annos, e com uma belida n'um olho. Falavam ambas sempre em verso. Aconteceu-lhe um desastre! N'um fogacho de genio, matou o criado. Teve seus da-res e to… mares com


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