O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton

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O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton


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de verão

      Por Käthe Perger

      BRAUNAU-AM-INN, ÁUSTRIA, 20 de dezembro de 1936. O dono da casa onde Adolf Hitler nasceu abriu duas das suas divisões ao público como museu. As autoridades austríacas em Linz permitiram tal exposição pública sob a condição de que só se permita a entrada a visitantes alemães, não austríacos. No caso de se permitir a entrada de visitantes austríacos no museu ou de se transformar num lugar de manifestação para os nazis, o museu fechará. O museu foi possível como resultado do acordo entre a Áustria e a Alemanha, de 11 de julho, para recuperar as «relações de caráter normal e amistoso» entre as nossas nações. Segundo o acordo, a Alemanha reconhecia a soberania plena da Áustria e admitia que a nossa ordem política é um assunto interno sobre o qual não exercerá nenhuma influência. Uma concessão por parte de Hitler, que se opõe ao encarceramento de membros do partido nazi austríaco por parte do nosso governo.

      VELAS AO AMANHECER

      Com inquietação, Žofie-Helene aproximou-se das sebes cobertas de neve e do portão de ferro do palácio de Ringstrasse. Levou a mão ao cachecol cor-de-rosa aos quadrados que a avó lhe oferecera no Natal, tão suave como a carícia da mãe. Aquela casa era maior do que todo o seu bloco de apartamentos e muito mais decorada. Os quatro andares com colunas — o andar de baixo com portas e janelas arqueadas, mas os superiores com janelas altas e retangulares que davam para varandas com corrimões de pedra — eram coroados por um quinto andar de um tamanho mais modesto, decorado com estátuas que pareciam segurar o peso do telhado de ardósia ou proteger os empregados que deviam viver lá em cima. Aquela não podia ser a casa de alguém real, muito menos de Stephan. Contudo, antes de conseguir virar-se, um porteiro com capa e cartola saiu da guarita para lhe abrir o portão e, quando as portas esculpidas da entrada se abriram, Stephan desceu os degraus a correr, tão limpos de neve que parecia verão.

      — Olha! Escrevi uma peça nova! — exclamou, oferecendo-lhe o manuscrito. — Escrevi-a com a máquina que me ofereceram no Natal!

      O porteiro sorriu com carinho.

      — Jovem Stephan, não quer convidar a sua amiga a entrar?

      * * *

      O interior da mansão era ainda mais imponente, com lustres de cristal e chão de mármore com desenhos geométricos, uma escada imperial e obras de arte extraordinárias: Troncos de árvores no outono com a perspetiva alterada; uma vila costeira situada numa colina, muito plana e pitoresca; um retrato estranho de uma mulher que se parecia muito com Stephan, com os mesmos olhos sedutores, o nariz comprido e reto, os lábios vermelhos e aquela covinha quase impercetível no queixo. A mulher do retrato tinha o cabelo apanhado e as faces rasgadas com um vermelho que era inquietante e, ao mesmo tempo, elegante. Parecia mais um rubor bonito do que uma ferida, embora Žofie não conseguisse evitar pensar no segundo. A Suíte Número 1 para Violoncelo de Bach saía de uma sala enorme onde os convidados conversavam junto de um piano, que tinha a tampa coberta de ouro levantada e, ali, pintado por baixo, havia um pássaro branco com um trompete nas garras.

      — Ainda ninguém a leu — redarguiu Stephan, em voz baixa. — Nem uma palavra.

      Žofie olhou para o manuscrito que lhe ofereceu novamente. Queria realmente que o lesse naquele momento?

      O porteiro — Rolf, conforme Stephan lhe chamou —, interveio:

      — Espero que a sua convidada tenha tido um Natal feliz, jovem Stephan.

      Stephan, ignorando o comentário, disse a Žofie:

      — Estava há uma eternidade à espera que chegasses a casa.

      — Sim, Stephan, a minha avó está bem e passei um Natal bonito na Checoslováquia, obrigada por perguntares — troçou Žofie-Helene e as suas palavras foram recompensadas com um sorriso de aprovação por parte de Rolf, enquanto este lhe guardava o casaco e o cachecol novo.

      Leu depressa, só a primeira página.

      — Tem um começo maravilhoso, Stephan — elogiou.

      — Achas?

      — Vou lê-la toda esta noite, prometo-te, mas, se insistires que conheça a tua família, não posso ir carregada com o manuscrito.

      Stephan espreitou para a sala de música. Depois, agarrou no manuscrito e subiu as escadas a correr. Acariciou cada uma das estátuas da escada e continuou a subir mais para além do segundo andar, onde as portas da biblioteca estavam abertas e, no seu interior, se viam mais livros do que Žofie teria achado que pudessem ter.

      Uma mulher elegante de peito plano estava a dizer, na sala: «… O Hitler está a queimar livros… Os mais interessantes, devo acrescentar.» A mulher parecia-se muito com Stephan e também com a mulher do retrato com as faces vermelhas, embora usasse o cabelo com um risco ao meio e caísse para os lados com caracóis largos. «Esse homenzinho vil diz que o Picasso e o Van Gogh são uns incompetentes e uns mentirosos.» Tocou num colar de pérolas que tinha ao pescoço com uma volta, tal como o da mãe de Žofie, mas este dava uma segunda volta que chegava até à sua cintura, com esferas tão perfeitas que, se alguma vez partisse o fio, sairiam a rodar, sem dúvida. «Diz que “a missão da arte não é desfrutar da imundície pela imundície”, como se tivesse ideia de qual é a missão da arte. E depois eu é que sou histérica?»

      — Histérica não — respondeu um homem. — Essa palavra é tua, Lisl.

      Lisl. Então, aquela era a tia de Stephan. Adorava a tia Lisl e também o marido, o tio Michael.

      — De facto, a palavra é do Freud, querido — corrigiu Lisl, alegremente.

      — São os modernistas que chateiam o Hitler — comentou Michael, o tio de Stephan. — O Kokoschka…

      — Que, é claro, obteve o lugar na Academia das Artes que o Hitler considera que devia ter sido para ele — interrompeu Lisl. — Os desenhos do Hitler obtiveram uma qualificação tão baixa que nem sequer pôde apresentar-se para o exame formal, conforme lhes disse. Teve de dormir num refúgio para homens, comer numa sala de jantar comunitária e vender os seus quadros às lojas que precisavam de alguma coisa para encher as molduras de fotografias vazias.

      Enquanto o grupo se ria com o seu relato, uma porta abriu-se no outro extremo do vestíbulo. Um elevador! Um menino levantou-se de uma cadeira situada no seu interior; uma cadeira de rodas linda (que obviamente não era dele) com apoio de braços acolchoados e o assento e as costas de vime, com coroas circulares de proporções perfeitas nos braços de latão e nas rodas. O menino entrou no vestíbulo, arrastando um coelho de peluche pelo chão.

      — Olá! Deves ser o Walter — replicou Žofie. — E quem é o teu amigo, o coelho?

      — Este é o Peter — respondeu o irmão de Stephan.

      Peter Rabbit. Žofie desejou não ter gastado a sua prenda em dinheiro. Podia ter comprado um Peter com um casaco azul como aquele para a irmã, Jojo.

      — O meu pai é o que está junto do meu piano — indicou o menino.

      — O teu piano? — perguntou Žofie. — Sabes tocar?

      — Não muito bem — respondeu o rapaz.

      — Mas nesse piano?

      O menino olhou para o piano.

      — Sim, é claro.

      Stephan voltou a descer as escadas, com as mãos vazias e, então, Žofie reparou no bolo de aniversário que havia na sala, com velas acesas ao amanhecer que se consumiam ao longo do dia, a dois centímetros por hora, como era a tradição na Áustria. Junto do bolo, havia uma bandeja com um sortido de bombons fabuloso, alguns de chocolate de leite, outros de chocolate preto e todos de formas diversas, mas cada um decorado com o nome de Stephan.

      — Stephan, é o teu aniversário? — Dezasseis velas pelo seu aniversário e uma para lhe trazer sorte. — Porque não me disseste?

      Stephan


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