Terra em Fogo. Barbara Cartland

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Terra em Fogo - Barbara Cartland


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são temperados demais para meu estômago.

      Lucilla encarou-o.

      —Está falando sério, papai?

      —Claro que estou!— respondeu Sir John, impaciente, saindo logo da sala, porque detestava problemas domésticos.

      Só depois que o navio partiu de Portsmouth e navegava pelas águas agitadas do Canal, foi que Lucilla se compenetrou de que não estava sonhando.

      Ela era sempre deixada em casa; a não ser que fosse inevitável, nunca ia a um baile, a uma festa ou a qualquer outra espécie de divertimento onde o pai levava Catherine.

      Lucilla bem cedo compreendera que o pai a detestava e que se irritava até mesmo com sua presença. Humildemente, achava que compreendia o motivo. Não era apenas por ela não ser tão bonita ou tão vistosa como Catherine. Era também porque o pai tinha desejado desesperadamente ter um filho. Uma segunda menina fora uma grande decepção, principalmente porque sua esposa não poderia mais ter filhos.

      Sir John Cunningham descendia de uma antiga família escocesa. Muitas gerações viveram nas planícies da Escócia, cultivando a terra, felizes em seus castelos, sem ambição de conhecer o resto do mundo.

      John Cunningham era diferente. Ambicioso, queria ser rico, importante e viajar.

      Ficar rico foi fácil para ele. Quando herdou o baronato, resolveu se tomar importante na sociedade londrina, que gravitava à volta do regente e de Carlton House.

      Mas nunca chegou a ser aceito como amigo ou confidente do homem aclamado como “o primeiro cavalheiro da Europa”.

      Havia muitas anfitriãs que, por causa da riqueza de Sir Cunningham, o recebiam de bom grado em suas soirées, reuniões e recepções. Mas ele sabia, assim como Catherine, que não poderiam entrar no “círculo fechado”.

      Não eram aceitos por aqueles que se consideravam a nata da sociedade londrina.

      Lucilla compreendia que era por esse motivo que ele gostava de suas viagens, assim como pelo fato de ganhar dinheiro com elas.

      Como nobre e como inglês, era recebido no estrangeiro de um modo que considerava um direito seu, mas que não lhe era conferido em seu país.

      Concentrava todos os esforços em fornecer aos espanhóis as armas de que tanto necessitavam e pelas quais estavam dispostos a pagar generosamente.

      Recebeu um golpe inesperado, ao saber que a revolução que havia em alguns países da América do Sul tinha chegado ao Equador e ao Peru.

      Sabia que tudo isso era devido a um certo General Simón Bolívar, que se chamava de “O Libertador” e vinha de uma classe social na qual Sir John gostaria de ter nascido.

      Imensamente rico, descendendo de uma família antfga, opulenta e nobre, Bolívar era Marquês por direito de nascença. As mulheres o achavam muito atraente, com seus olhos negros e profundos. Aos dezessete anos, já era versado na arte do amor.

      Esteve em Paris e depois foi para a Espanha, terminar sua educação na Real Academia Militar. Embora tivesse uma pele cor de oliva, as más-línguas diziam que havia substituído Manuel de Godoy como amante da Rainha Luísa.

      Casou, mas a esposa morreu de febre amarela. Bolívar instalou-se então em Paris e sentiu-se atraído por Napoleão Bonaparte, que se tomou seu ídolo.

      Sir John ouviu essa história e contou-a às filhas. Disse que o homem que havia mudado a vida de Bolívar era o grande cientista Alexandre von Humboldt, que voltou depois de viajar cinco anos pela América do Sul e publicou seus livros em Paris.

      Ficou conhecendo o jovem Bolívar num salon e, naturalmente, conversaram sobre a América.

      —O Novo Mundo teria um destino brilhante se ficasse livre de sua canga— observou Bolívar.

      —Creio que seu país está maduro para a independência, mas não vejo o homem capaz de conseguir isso— observou Humboldt.

      Foram essa palavras que deram início à revolução.

      Sir John se divertia com as histórias que ouvia, onde quer que fosse, sobre o que estava acontecendo na Venezuela e na Colômbia, sob a liderança de Bolívar.

      Embora estivesse pronto a aceitar o que os espanhóis lhe pagavam, não podia deixar de rir da idéia de um exército composto em grande parte de vagabundos, de homens mal equipados e mal armados, ter derrotado o famoso General espanhol Pablo Morillo e marchado durante mais de mil e quinhentos quilômetros pelos Andes, para ir afugentar mais espanhóis em Boyacá.

      Achou que era uma piada, quando soube, em 1819, que Bolívar tinha instigado a União da Colômbia, que deveria incluir os antigos Vice remados da Venezuela, da Colômbia e de outros países, depois de libertados.

      —Tem tutano, esse rapaz!— dizia Sir John, em seus clubes, quando comentavam os sucessos de Bolívar, exagerando-os, provavelmente, na opinião dele.

      Mas nunca imaginou que Bolívar iria prejudicar seu negócio de armas com os espanhóis. E agora lhe diziam que Quito estava nas mãos dos libertadores! O que ele ia fazer com seu carregamento de armas?

      Gostaria de ir diretamente para Lima, mas ouviu, consternado, que um exército de patriotas, sob as ordens do General San Martin, tinha tomado a cidade. Os espanhóis estavam se mobilizando do lado de fora, ao passo que, dentro, espiões e agentes provocadores tentavam solapar a nova república.

      Sir John resolveu, portanto, ir primeiro visitar Quito e ver com os próprios olhos o que estava acontecendo. Afinal de contas, poderia ter sido apenas um pequeno revés. Intimamente, estava convencido de que o poder da Espanha Imperial era indestrutível. Os patriotas seriam então enforcados e esquartejados, como acontecera na revolução de 1809.

      Quando se meteram por estradas péssimas, mas que, felizmente, eram secas, Catherine perguntou, nervosa:

      —Não há perigo, papai?

      —Somos ingleses. Estaremos seguros, seja onde for.

      —Espero que não se engane— comentou a moça, petulante—, não tenho a menor vontade de acabar morta numa estrada, ou enforcada numa árvore.

      Lucilla achou que Catherine estava sendo histérica, como muitas vezes acontecia, mas, ao se aproximarem de Quito, viram claramente sinais de combate. Havia casas depredadas, campos desertos e, mais sinistro ainda, abutres esvoaçando. Lucilla sabia por que motivo havia tantos por ali.

      Quando a carruagem passava, voavam, abandonando por um momento os corpos em putrefação dos quais se alimentavam.

      Antes que a cidade aparecesse, Sir John e as filhas ainda viram corpos pendurados em árvores ou em forcas, duros e de pescoço esticado.

      «A guerra é uma coisa cruel, horrível!» pensou Lucilla.

      Mas nada disse, não querendo deixar Catherine mais assustada do que já estava e esperando que o pai tivesse razão ao afirmar que estavam seguros por serem ingleses.

      Em vez disso, procurou apenas ver a beleza da terra, as montanhas banhadas de luz e, de vez em quando, o brilho de picos gelados.

      Assim que chegaram a Quito, Lucilla compreendeu que as montanhas tinham desempenhado um papel importante na batalha que havia sido travada.

      As pessoas de Quito eram amistosas, tagarelas. Estavam excitadas e contaram inúmeras vezes o que aconteceu. Um pequeno exército patriota, reunido apressadamente, marchara pelas encostas dos Andes em direção a Quito, comandado por um rapaz brilhante que Simón Bolívar tinha feito marechal-de-campo com apenas vinte e oito anos.

      José Sucre, com a sabedoria e o brilho de um General muito mais velho, tinha disposto suas forças para um ataque frontal a Quito. Depois, numa noite fria e escura, levou o grosso de suas tropas pela encosta do vulcão Pichincha.

      Várias pessoas falaram a Lucilla do espanto do comandante espanhol, que acordou vendo os patriotas no morro


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