A Ordem. Daniel Silva

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A Ordem - Daniel Silva


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Marchese. O seu coração também pesava. Não se atreveu a alongar-se em pensamentos sobre o motivo.

      Sentou-se direito e baixou lentamente os pés até ao soalho frio. Demorou algum tempo a conseguir focar o quarto. Uma secretária repleta de pilhas de livros e papéis, um roupeiro simples, um genuflexório de madeira. Acima dele, pouco visível na escuridão, estava o pesado crucifixo de madeira de carvalho que o seu mestre lhe oferecera alguns dias depois do conclave. Estivera pendurado no apartamento de Donati no Palácio Apostólico. Agora, estava pendurado aqui, no seu quarto na Cúria Jesuíta. Como era diferente do luxuoso palazzo de Veronica. Era o quarto de um homem pobre, pensou. O quarto de um padre.

      O genuflexório chamava-o. Erguendo-se, Donati vestiu o roupão e atravessou o quarto. Abriu o breviário na página adequada e, de joelhos, recitou as primeiras palavras das laudes, a oração matutina.

      Vinde, ó Deus, em meu auxílio. Senhor, socorrei-me sem demora…

      Atrás dele, na mesa de cabeceira, o telemóvel vibrou. Ignorando-o, leu a seleção de salmos e hinos daquela manhã, juntamente com uma passagem breve do livro do Apocalipse.

      Depois, vi outro anjo que subia do Oriente…

      Só depois de repetir a frase final da oração de encerramento, Donati se ergueu e agarrou no telefone. A mensagem que o aguardava estava escrita em italiano coloquial. As palavras eram ambíguas e cheias de pistas falsas e duplos sentidos. Contudo, as instruções eram claras. Se Donati não soubesse a verdade, teria assumido que o autor era uma criatura da Cúria Romana. Não era.

      Depois, vi outro anjo que subia do Oriente…

      Donati atirou o telefone para cima da cama desfeita e, rapidamente, fez a barba e tomou um duche. Embrulhado numa toalha, abriu as portas do roupeiro. Havia várias batinas e fatos clericais pendurados no varão, juntamente com o seu hábito coral. O seu guarda-roupa civil estava limitado a um único casaco desportivo com cotoveleiras, dois pares de calças castanho-claras, duas camisas brancas, duas camisolas de gola redonda e uns sapatos de camurça.

      Vestiu um dos conjuntos e colocou o outro no saco de viagem. Depois, acrescentou uma muda de roupa interior, artigos de higiene pessoal, uma estola, uma alva, uma faixa e o seu kit de viagem para celebração de missas. Guardou o telemóvel no bolso do casaco.

      Ao sair do quarto, encontrou o corredor vazio. Ouviu o ténue tilintar de vidro, talheres e louça que emanava da sala de refeições comunal e as sonantes vozes masculinas em oração, provenientes da capela. Sem que os seus irmãos jesuítas se apercebessem, apressou-se a descer as escadas e saiu para a manhã outonal.

      Um sedan Mercedes Classe E aguardava na Borgo Santo Spirito. Gabriel estava ao volante, Chiara no lugar do passageiro. Quando Donati deslizou para o banco de trás, o automóvel arrancou disparado. Vários peões, incluindo um padre da Cúria que Donati conhecia de passagem, apressaram-se a fugir do seu caminho.

      — Há algum problema? — perguntou.

      Gabriel olhou de relance para o espelho retrovisor.

      — Vou saber daqui a uns minutos.

      O carro guinou para a direita, evitando, por pouco, um bando de freiras de hábito acinzentado, e atravessou velozmente o Tibre.

      Donati apertou o cinto de segurança e fechou os olhos.

      Vinde, ó Deus, em meu auxílio. Senhor, socorrei-me sem demora…

      Aceleraram para norte, ao longo da Lungotevere, para a Piazza del Popolo e, depois, para sul, para a Piazza Venezia. Até mesmo segundo os padrões elevados de Roma, era uma viagem de deixar os cabelos em pé. Donati, um veterano de inúmeras escoltas papais, espantou-se com a habilidade com que o seu velho amigo conduzia o poderoso automóvel alemão e com a aparente calma com que, ocasionalmente, Chiara dava direções ou conselhos. A rota que estavam a seguir era indireta e repleta de paragens bruscas e desvios abruptos, tudo pensado para revelar a presença de vigilância motorizada. Numa cidade como Roma, onde as scooters eram um meio de transporte habitual, era uma tarefa árdua. Donati tentou ser prestável, mas, passado algum tempo, desistiu e observou os edifícios salpicados de graffiti e as cordilheiras de lixo por recolher que passavam velozmente pela sua janela. Veronica tinha razão. Roma era bela, mas nojenta.

      Quando chegaram a Ostiense, um bairro operário caótico no Municipio VIII, Gabriel pareceu satisfatoriamente convencido de que não estavam a ser seguidos. Dirigiu-se para a A90, a autoestrada de circunvalação de Roma, e seguiu para norte, para a Autostrada E35, uma estrada com portagem que se espraiava ao longo de todo o comprimento de Itália, até à fronteira suíça.

      Donati descontraiu a sujeição firme ao apoio de braço.

      — Importam-se de me dizer para onde vamos?

      Gabriel apontou na direção de uma placa azul e branca à beira da estrada.

      Donati permitiu a si próprio um breve sorriso. Há muito tempo que não ia a Florença.

      A Unidade 8200 localizara o telemóvel na rede móvel celular de Florença, pouco antes das cinco horas dessa manhã. Estava a norte do Arno, em São Marcos, o bairro da cidade onde os Medici, a dinastia bancária que transformou Florença no coração artístico e intelectual da Europa, tinham alojado a sua coleção de girafas, elefantes e leões. Até agora, a Unidade não conseguira infiltrar-se no aparelho nem obter o controlo do seu sistema operativo. Estava, simplesmente, a monitorizar a posição aproximada do telemóvel, utilizando técnicas de geolocalização.

      — Em linguagem de leigos, por favor? — pediu Donati.

      — Depois de nos infiltrarmos num telefone, conseguimos ouvir as chamadas do dono do aparelho, ler os e-mails e as mensagens e monitorizar os sites a que acede na Internet. Até podemos tirar fotografias e fazer vídeos e usar o microfone como dispositivo de escuta.

      — É como se fossem Deus.

      — Não exatamente, mas sem dúvida que temos o poder de perscrutar a alma de alguém. Conseguimos conhecer os seus medos mais sombrios e os seus desejos mais profundos. — Gabriel abanou pesarosamente a cabeça. — A indústria de telecomunicações e os seus amigos de Silicon Vallley prometeram-nos um admirável mundo novo de conveniência, tudo nas pontas dos dedos. Mentiram-nos intencionalmente. Roubaram-nos a privacidade. E destruíram tudo.

      — Tudo?

      — Jornais, filmes, livros, música… tudo.

      — Não sabia que eras assim tão ludita.

      — Sou restaurador de arte, especializado em Velhos Mestres italianos. Sou um membro fundador do clube.

      — E, no entanto, usas telemóvel.

      — Um telemóvel muito especial. Nem os meus amigos da NSA americana conseguem penetrar nele.

      Donati levantou um Nokia 9 Android.

      — E o meu?

      — Ia sentir-me muito melhor se o atirasses pela janela.

      — A minha vida está neste telefone.

      — Aí é que está o problema, Vossa Excelência.

      A pedido de Gabriel, Donati entregou o telemóvel a Chiara. Depois de o desligar, removeu-lhes o cartão SIM e a bateria e colocou-os na sua mala. Devolveu a carcaça sem alma a Donati.

      — Já me sinto melhor.

      Pararam para tomar café num autogrill perto de Orvieto e chegaram à periferia de Florença uns minutos depois do meio-dia. Os sinais de Zona Traffico Limitato piscavam a vermelho. Gabriel deixou o Mercedes num parque de estacionamento público próximo da Basilica di Santa Croce e, juntos, partiram em direção a São Marcos.

      Segundo a luz azul no telemóvel de Gabriel, o aparelho de Janson estava a oeste do Museu de São Marcos, provavelmente na Via San Gallo. A Unidade 8200 advertira-o de que o sinal de geolocalização tinha um raio de imprecisão de cerca de quarenta metros, o que significava que o telefone também poderia estar


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