As Investigações De João Marcos Cidadão Romano. Guido Pagliarino

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As Investigações De João Marcos Cidadão Romano - Guido Pagliarino


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verá”. “Senhor”, respondi apreensivo, “eu sei que ele fez todo o mal que podia aos seus seguidores em Jerusalém! Também soubemos que veio a Damasco para nos prender”. A voz do Senhor me tranquilizou: “Vai, ele é um instrumento escolhido para eu levar meu nome aos filhos de Israel, bem como a outros povos e seus líderes, e, quando ele for batizado, eu lhe mostrarei o quanto ele terá de sofrer pelo meu nome”. Ananias colocou as mãos sobre Saulo. De seus olhos caíram os flocos de sangue coagulado e ele imediatamente recuperou a visão, entendendo que era um sinal divino da escuridão espiritual em que vivia perseguindo os seguidores de Jesus e da qual estava saindo. Dias depois, na casa de Ananias, Saulo foi batizado. Ele então foi para o deserto da Arábia para um retiro espiritual. Durante dias, ponderou o que fazer e orou a Deus por iluminação, mas não encontrou resposta. Voltar a Damasco e anunciar Cristo ali com Ananias e os outros batizados? Ir ao redor do mundo pregando o Ressuscitado para qualquer pessoa que conhecesse? Ou ir para a Judéia, para Jerusalém, onde se escondiam os líderes da Igreja, procurá-los, encontrá-los e se apresentar como arrependido, oferecendo-se para colaborar? Mas como reagiriam? Não o confundiriam talvez com um espião do Sinédrio? Uma noite, tendo decidido partir na manhã seguinte, teve um sonho revelador. Pareceu-lhe que estava subindo ao terceiro céu e entrando em contato com o Transcendente, quase cara a cara com Deus: nunca seria capaz de expressar claramente aos outros a experiência viva, embora vivida no sono, que lhe deu uma alegria incomparável. No entanto, após o êxtase inicial, um demônio viscoso apareceu para o adormecido e deu um tapa violento em ambas as bochechas. Esse demônio desapareceu logo em seguida, mas não a dor. Saulo sofrera dolorosas perfurações na carne, como se longos espinhos tivessem sido cravados nela; e então ouviu a voz de Jesus: “Aqui estão as inúmeras dificuldades que você encontrará14 no seu apostolado: abandono de amigos, incompreensões, perseguições, prisões, doenças e, finalmente, a morte violenta em Roma por decapitação”.

      “Senhor”, Saulo orou com palavras contraídas pela dor, “se quer que eu seja seu apóstolo, dá-me a oportunidade de proclamar o evangelho até que eu seja morto: não fique no meu caminho”.

      “Meu amor e minha bondade serão o suficiente para você alcançar a meta. Eu amo você! Não se preocupe e tenha certeza de que, apesar de tantos sofrimentos, você terá sucesso. Haverá obstáculos que o impedirão de concluir os projetos que eu mesmo irei criar, mas o que isso importa para você?! Pense em meu amor ilimitado que se manifesta não só na força absoluta de Deus, mas também no misterioso esvaziament14o de seu poder, em minha dor e em minha morte e minha gloriosa Ressurreição. Basta-te ser amado por mim, Deus, e feito participante do mistério pascal da minha fraqueza e da minha força; e será este aparente escândalo, antes de tudo, que você pregará”. Saulo viu então no abandono dos amigos, as doenças e os inúmeros outros obstáculos que encontraria em sua participação na fraqueza do Deus-homem crucificado e sentiu-se tão amado e apoiado por Ele que poderia cumprir, por vontade divina, na sua própria carne, o que ainda faltava na Paixão de Jesus, embora ao mesmo tempo entendesse perfeitamente que o verdadeiro e único Salvador da humanidade era Cristo, e também que o único autor do sucesso do seu apostolado seria ele, o Ressuscitado.

      Jesus ainda lhe disse, pouco antes de acordar: “Tu fazes tudo o que podes, entregando-te totalmente ao meu amor, que vai completar a obra por ti; e agora vá para Damasco e comece seu trabalho a partir daí”.

      O apóstolo voltou para aquela cidade e, cheio de entusiasmo, pregou ali por três anos. Com o tempo, porém, despertou o ódio religioso dos judeus canônicos. Em meados do ano 7934, eles decidiram, com excelente fé, “honrar o Senhor”, matar “Saulo, o herege”. Informado a tempo por amigos, com a ajuda deles, fugiu, deixando-se ser jogado em uma cesta perto dos muros da cidade à noite. Ele se refugiou em Jerusalém, na casa de uma irmã casada com quem vivia desde que ficou viúvo, antes de sua viagem a Damasco. Foi então à casa de Marcos, onde viviam, como soube por Ananias, os líderes da Igreja. Levava uma carta dele em que o recomendava como um cristão excelente e de grande confiança. Ele ofereceu seu trabalho como evangelizador ao chefe dos apóstolos, Pedro, e a Tiago Bar Alfeu, que flanqueara o primeiro na direção dos cristãos de Jerusalém, sendo muitas vezes engajado primeiro em outros lugares da Palestina e na cidade de Antioquía, na Síria. Apesar da recomendação do bom Ananias, Saulo foi recebido com grande desconfiança: seu referente era conhecido pela junta da Igreja, mas a carta não poderia ser falsa?! Apenas Barnabé se convenceu e intercedeu vigorosamente, em várias ocasiões, conseguindo dissolver a desconfiança dos outros. Conhecendo muito bem o grego, Saulo começou a pregar a notícia da ressurreição de Jesus Cristo no lugar de maior passagem, em frente ao templo, para os judeus helenísticos que tinham aquela língua como única. Não teve sucesso. Pior, despertou neles tanta hostilidade que, como os judeus de Damasco, também tentaram matá-lo. Não conseguiram porque o apóstolo, devido a um acidente, não passou naquele dia pela rua onde, escondidos, o esperavam armados. Alguns dos irmãos de fé, porém, receberam notícias da emboscada fracassada e alertaram Pedro; assim, Saulo foi conduzido em segredo por Barnabé, com alguns outros como escolta, a Cesareia Marítima e de lá embarcou para sua cidade natal, Tarso. Permaneceu ali por quatro anos evangelizando judeus na sinagoga e depois gentios. Como era sabido na cidade que ele era cidadão romano, encontrava-se relativamente seguro: pelo menos, ninguém tentou matá-lo. Alguns convertidos por Saulo que se mudaram para Roma levaram o cristianismo para lá mesmo antes de Pedro chegar ali, anos depois.

      Em 79815, Barnabé se juntou a Saulo, em Tarso, e partiu com ele para Antioquía, cuja comunidade de seguidores de Jesus, então comumente conhecida como “os cristãos”, vinha coordenando há algum tempo em nome de Pedro.

      Dezessete anos se passaram desde a morte do pai de Marcos e quinze desde o nascimento da Igreja, e o imperador Tibério foi sucedido pelo ainda mais vil Calígula e seu tio Cláudio no trono de Roma.

      O desejo do jovem de fazer justiça ao assassino de seu pai, muito vivo nos primeiros dias, foi sendo gradualmente atenuado pelo tempo, o que certamente não leva ao esquecimento dos entes queridos falecidos, mas, em certo ponto, deixa que a memória só apareça às vezes e velada. Foi, portanto, inesperadamente que, no final do ano de 79816. Marcos teve o sonho perturbador de seu pai saindo da sepultura e insistindo para que visitasse seu túmulo e procurasse quem o matou. Aquele sonho tinha sido tão real que o induziram a considerá-lo uma visão enviada por Deus. A dor da perda do pai retornou quase tão intensa quanto no dia em que a carta de Barnabé chegou com a terrível notícia.

      Na Bíblia e na tradição oral judaica, o sonho, todo sonho, tem grande importância, induzindo-nos a ver a realidade sob uma luz mais clara, revelando coisas que aparecem na penumbra durante a vigília ou que permanecem ocultas, mas o mais importante é o sonho em que figuras angelicais ou mortos falam, sejam eles visíveis ou não, todos considerados mensageiros de Deus. Desde o sonho de Jacó com a escada que liga o céu à terra atravessada por anjos ao premonitório de seu filho José, dos sonhos proféticos de Daniel aos modernos de José, suposto pai de Jesus e de outros seguidores do Nazareno, incluindo Saulo Paulo de Tarso, os antigos e novos acontecimentos, a expectativa do Messias e sua vinda estavam ligados pelo fio onírico, que, aliás, na vida cotidiana, ligava, segundo o sentimento geral, a pesada realidade terrena à eterna festa celestial, manifestando ensinamentos e revelando desejos divinos para as coisas cotidianas.

      Marcos, então, convencido de que seu pai realmente havia falado com ele por ordem de Cristo, embora não tenha chegado a pedir o batismo ou a privar-se de seus bens como os cristãos, começou a trabalhar com Pedro como secretário e, conhecendo bem grego e latim, como intérprete e escriba.

      Algumas semanas após o sonho, aconteceu outro evento extraordinário que Marcos entendeu como uma comprovação de visão onírica. Tínhamos acabado de entrar no ano novo, ainda reinava o imperador Cláudio, quando chegou a Pedro uma carta de Barnabé na qual o apóstolo anunciava sua chegada com Saulo. Eles dirigiam duas carroças com provisões de uma colheita feita em Antioquía em ajuda à Igreja


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