O Napoleão de Notting Hill. Gilbert Keith Chesterton

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O Napoleão de Notting Hill - Gilbert Keith Chesterton


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silencioso, havia sobre ele um ar como se estivesse procurando alguém, uma expressão de inquietude.

      De repente, aquela expressão de inquietude desapareceu, ninguém podia dizer o porquê, e foi substituída por uma expressão de contentamento. Em meio a atenção da multidão de desocupados, o magnífico cavalheiro verde desviou-se do seu curso direto para o centro da estrada e caminhou para o lado desta. Ele chegou a uma parada em frente a um grande cartaz de mostarda Colman erguido sobre um tapume de madeira. Seus espectadores quase prenderam a respiração.

      Ele tirou um pequeno canivete de uma pequena bolsa em seu uniforme, com que fez um corte no papel. Completando o resto da operação com os dedos, fez uma tira de cor amarela e de contorno totalmente irregular. Então, pela primeira vez, o grande ser dirigiu-se a seus espectadores-adoradores:

      – Alguém pode – disse ele, com um agradável sotaque estrangeiro – emprestar-me um alfinete?

      Lambert, que era o mais próximo, e que carregava inúmeros alfinetes com a finalidade de prender inumeráveis lapelas, emprestou-lhe um, que foi recebido com reverências extravagantes mas dignas e hipérboles de agradecimento.

      O cavalheiro em verde, então, com toda a aparência de estar gratificado, e até mesmo orgulhoso, fixou o pedaço de papel amarelo ao adornos de seda verde e prata no seu peito. Então ele voltou seus olhos novamente, procurando insatisfeito.

      – Algo mais que eu possa fazer, senhor? – perguntou Lambert, com a polidez absurda do inglês quando envergonhado.

      – Vermelho – disse o estranho, vagamente – , vermelho.

      – Desculpe?

      – Peço-lhe desculpas, Señor – disse o estranho fazendo uma reverência. – Estava imaginando se algum de vocês dispõem de algo vermelho com vocês.

      – Algo vermelho conosco? Bem, realmente… Não, não acredito que tenha… Já usei uma bandana vermelha, mas…

      – Barker – perguntou Auberon Quin, subitamente – , onde está sua cacatua vermelha? Onde está a sua cacatua vermelha?

      – O que você quer dizer? – perguntou Barker, desesperadamente. – Que cacatua? Você nunca me viu com qualquer cacatua!

      – Eu sei – disse Auberon, vagamente tranquilizado. – Onde ela esteve esse tempo todo?

      Barker virou-se, não sem ressentimento.

      – Lamento, senhor – disse ele, breve, mas civilmente – , nenhum de nós parece ter nada vermelho para emprestar-lhe. Mas para que, se posso perguntar.

      – Agradeço-lhe, Señor, não é nada. Posso, já que não há outra opção, suprir minhas próprias necessidades.

      E de pé, após um segundo de pensamento com o canivete na mão, ele esfaqueou a palma da mão esquerda. O sangue descia com um fluxo tão cheio que atingiu as pedras sem gotejar. O estrangeiro tirou o lenço e arrancou um pedaço dele com os dentes. O pano foi imediatamente embebido em escarlate.

      – Uma vez que é tão generoso, Señor, outro alfinete, talvez.

      Lambert retirou outro, com os olhos salientes como de um sapo.

      A roupa vermelha foi fixada ao lado do papel amarelo, e o estrangeiro tirou o chapéu.

      – Tenho que agradecer a todos vocês, senhores – disse, e envolvendo o restante do lenço na mão sangrando, retomou a sua caminhada com uma imponência esmagadora.

      Enquanto o restante parou, um tanto atônitos, o pequeno Sr. Auberon Quin correu atrás do estranho e o interpelou, com o chapéu na mão. Consideravelmente para o espanto de todos, dirigiu-se a ele no mais puro espanhol:

      – Señor – disse na língua espanhola – , perdoe a hospitalidade, talvez indiscreta, para aquele que parece ser um distinto, mas solitário hospede em Londres. Honraria a mim e a meus amigos, com quem acabou de conversar, acompanhando-nos em um almoço no restaurante ao lado?

      O homem com o uniforme verde demostrou grande prazer no mero som de sua própria língua, e aceitou o convite com uma profusão de reverências que mostra, no caso das pessoas do Sul, a falsidade da noção que cerimônia não tem nada a haver com sentimento.

      – Señor, a sua linguagem é a minha, mas todo o meu amor para o meu povo não pode levar-me a negar a sua a posse para um anfitrião tão cavalheiresco. Deixe-me dizer que a língua é o espanhol mas o coração é inglês – e foi com o restante para o Cicconani.

      – Agora, talvez – disse Barker, após os peixes e o xerez, intensamente polido, no entanto ardendo de curiosidade – , talvez seja rude perguntar por que fez aquilo?

      – Fez o quê, Señor? – perguntou o convidado, que falou em um inglês muito bem, embora de uma forma indefinivelmente americana.

      – Bem – disse o inglês, com alguma confusão – , quero dizer rasgou uma tira fora e … er … cortou a si mesmo … e …

      – Explicar isso, Señor – respondeu o outro, com um certo orgulho triste – , envolve meramente dizer quem eu sou. Eu sou Juan del Fuego, o presidente da Nicarágua.

      A forma com que o presidente da Nicarágua inclinou-se para trás e bebeu xerez mostrou que para ele essa explicação cobria todos os fatos observados e muito mais. No entanto, a testa de Barker ainda estava um pouco cerrada.

      – E o papel amarelo – começou, com ansiosa simpatia – e o pano vermelho …

      – O papel amarelo e o pano vermelho – disse Fuego, com grandeza indescritível – são as cores da Nicarágua.

      – Mas a Nicarágua… – começou Barker, com grande hesitação – A Nicarágua não é mais um…

      – A Nicarágua foi conquistada como Atenas. A Nicarágua foi anexada como Jerusalém – exclamou o velho, com um fogo incrível. – O Yankee, o alemão e os poderes brutos da modernidade pisaram nela com cascos de boi. Mas a Nicarágua não está morta. A Nicarágua é uma ideia.

      Auberon Quin sugeriu timidamente:

      – Uma ideia brilhante.

      – Sim – disse o estrangeiro, pegando a palavra. – Você está certo, generoso inglês. Uma ideia brilhante, um pensamento que queima. Señor, perguntou-me por que, no meu desejo de ver as cores do meu país, arranquei papel e sangue. Não consegue entender a santidade antiga das cores? A Igreja tem as suas cores simbólicas. E pensar o que essas cores significam para nós.. Pense da posição de alguém como eu, que não pode ver nada mas essas duas cores, nada mas o vermelho e o amarelo. Para mim todas as formas são iguais, todas as coisas comuns e nobres estão em uma democracia de combinação. Onde quer que haja um campo de calêndulas e o manto vermelho de uma velha, ali está a Nicarágua. Onde quer que haja um campo de papoulas e uma mancha amarela de areia, ali está a Nicarágua. Onde quer que haja um limão e pôr do sol vermelho, ali está o meu país. Sempre que vejo uma caixa de correio vermelha e um por do sol amarelo, há batidas do meu coração. Sangue e um pouco de mostarda podem ser minha heráldica. Se há lama amarela e lama vermelha na mesma vala, é melhor para mim do que estrelas brancas.

      – E se – afirmou Quin, com igual entusiasmo – há vinho amarelo e vinho tinto no mesmo almoço, você não pode se limitar ao xerez. Deixe-me pedir algum borgonha, e completar, por assim dizer, uma espécie de heráldica da Nicarágua no seu interior.

      Barker estava brincando com sua faca, e estava, evidentemente, decidindo se iria dizer algo, com o intenso nervosismo de um inglês que quer ser amável.

      – Devo entender, então – disse enfim, com uma tosse – que você, ahem, era o presidente da Nicarágua quando fez sua – er- deve-se, é claro, concordar, heroica resistência a – er..

      O ex-presidente da Nicarágua acenou com a mão.

      – Não precisa hesitar ao falar comigo. Estou completamente ciente de que a tendência geral do mundo de hoje está contra mim e


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