O Napoleão de Notting Hill. Gilbert Keith Chesterton

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O Napoleão de Notting Hill - Gilbert Keith Chesterton


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que acabam de ser proferidas. “Atendendo-se” … sim, era essa a frase, “atendendo-se ao interesse público.” Não se pode tirar o mel de tais coisas sem ficar um pouco só.

      – Será que ele está realmente fora de si? – perguntou Lambert.

      O velho Presidente cuidava dele com olhos estranhamente vigilantes.

      – Acredito que é um homem que não deseja nada, exceto uma piada. É um homem perigoso.

      Lambert riu no ato de levantar macarrão à boca.

      – Perigoso! Não conhece Quin, senhor!

      – Todo homem perigoso – disse o velho sem mover-se – é o que só se preocupa com uma coisa. Eu mesmo já fui perigoso.

      E com um sorriso agradável, terminou o café e levantou-se, inclinando-se profundamente, e entrou na neblina, que havia crescido novamente densa e sombria. Três dias depois souberam que havia morrido calmamente num alojamentos no Soho.

      Em outro lugar, em meio ao mar escuro da névoa estava uma pequena figura abalada e com tremores, com o que poderia ser à primeira vista terror ou malária: mas que na verdade sofria de uma estranha doença, o riso solitário. Ele estava repetindo novamente para si mesmo com um rico sotaque – Mas, atendendo-se ao interesse público…

      A Colina de Humor

      – Em um pequeno jardim quadrado de rosas amarelas, ao lado do mar – disse Auberon Quin – houve um ministro dissidente que nunca tinha ido a Wimbledon. Sua família não entendia a tristeza ou o olhar estranho em seus olhos. Mas um dia eles se arrependeram de sua negligência, pois ouviram que um corpo havia sido encontrado na costa, fustigado, mas usando botas de couro patente. Aconteceu dele não ser o tal ministro. Mas no bolso do homem morto havia um bilhete de volta para Maidstone.

      Houve uma breve pausa enquanto Quin e seus amigos, Barker e Lambert, foram andando no meio da relva lamacenta dos jardins de Kensington. Então, Auberon retomou:

      – Essa história – disse respeitosamente – é o teste de humor.

      Eles caminharam cada vez mais rápido, atravessaram a grama alta quando começaram a subir uma ladeira.

      – Percebo – continuou Auberon – que passaram no teste, e consideram a anedota dolorosamente engraçada, já que não dizem nada. Só o humor grosseiro é recebido com aplausos de taverna. A grande anedota é recebida em silêncio, como uma bênção. Sentiu-se muito abençoado, não é, Barker?

      – Entendi – disse Barker, um tanto arrogantemente.

      – Sabe – disse Quin, com uma espécie de alegria idiota – tenho muitas histórias tão boas quanto esta. Ouça isso.

      E limpou um pouco a garganta:

      – O dr. Policarpo era, como todos sabem, um bimetalista invulgarmente pálido. Pessoas de larga experiência diziam: “Lá vai o mais pálido bimetalista de Cheshire”. Uma vez isso foi dito de forma que ele ouviu: foi dito por atuário, sob um por do sol lilás e cinza. Policarpo se voltou para ele. “Pálido!”, gritou ferozmente, “Pálido! Quis tulerit Gracchos de seditione querentes”. Foi dito que nenhum atuário jamais se meteu com o dr. Policarpo novamente.

      Barker concordou com uma sagacidade simples. Lambert só grunhiu.

      – Aqui está outra – continuou Quin, insaciável. – Em um oco das colinas verde cinzentas da chuvosa Irlanda, viveu uma mulher muito velha, cujo tio sempre torcia para Cambridge na regata. Mas em seu oco verde cinzento, ela não sabia nada disto: não sabia que houve uma regata. Também não sabia que tinha um tio. Ela não sabia de nada, exceto de George I, de quem tinha ouvido falar (não sei porquê), e nessa memória histórica, ela confiava. Até que Deus quis que chegasse o dia quando descobriu-se que esse tio dela não era realmente seu tio, e vieram-lhe dizer isso. Ela sorriu em meio às lágrimas, e disse apenas: “A virtude é sua própria recompensa.”

      Novamente houve um silêncio, e então Lambert disse:

      – Parece um pouco misterioso.

      – Misterioso! – exclamou o outro. – O verdadeiro humor é misterioso. Não percebe o principal incidente dos séculos XIX e XX?

      – E qual é? – perguntou Lambert, breve.

      – É muito simples – respondeu o outro. – Até então era a ruína de uma piada que as pessoas não a entendessem. Agora é a vitória sublime de uma piada que as pessoas não a entendam. Humor, meus amigos, é a santidade que restou para a humanidade. É a única coisa que causa medo. Olhe para a árvore.

      Seus interlocutores olharam vagamente para uma faia que se inclinava em direção a eles a partir do cume da colina.

      – Se – disse o Sr. Quin – eu dissesse que não viram as grandes verdades da ciência exibidas por aquela árvore, embora estejam escancaradas para um homem de intelecto, o que pensariam ou diriam? Simplesmente me considerariam como um pedante com uma teoria irrelevante sobre algumas células vegetais. Se dissesse que não veem naquela árvore a vil má gestão da política local, iriam me repudiar como um socialista maluco com alguma mania particular sobre parques públicos. Se dissesse que vocês são culpados da blasfêmia suprema de olhar para a árvore e não ver nela uma nova religião, uma revelação especial de Deus, poderiam simplesmente dizer que sou um místico, e não pensar mais em mim. Mas – e levantando uma mão pontifical – se digo que não podem ver o humor daquela árvore, e que eu vejo o humor dela, meu Deus! Poriam-se sob os meus pés.

      Parou um momento, e depois retomou.

      – Sim; um senso de humor, um estranho e delicado senso de humor, é a nova religião da humanidade! É para onde os homens vão se dirigir com o ascetismo dos santos. Farão exercícios, exercícios espirituais. Perguntarão: “Consegue ver o humor desta grade de ferro?” ou “Pode ver o humor deste campo de milho? Pode ver o humor das estrelas? Pode ver o humor dos pores do sol?” Quantas vezes ri sozinho até dormir por causa de um por do sol violeta.

      – Isso mesmo – disse Barker, com um inteligente embaraço.

      – Deixe-me contar uma outra história. Quantas vezes acontece que os deputado de Essex são menos pontuais do que se poderia supor. O deputado menos pontual de Essex foi, talvez, James Wilson, que disse, no instante de arrancar uma papoula…

      De repente, Lambert se voltou e bateu sua bengala no chão numa atitude desafiadora.

      – Auberon, pare. Não suporto isso. É tudo tolice.

      Os dois homens olharam para ele, pois havia algo muito explosivo nas palavras, como se estivessem entaladas penosamente por um longo tempo.

      – Você – começou Quin – não tem..

      – Não me importo com uma maldição – disse Lambert, violentamente – se tenho “um senso de humor delicado” ou não. Não vou suportar isso. É tudo uma fraude para confundir-nos. Não há nenhuma piada naqueles contos infernais. Você sabe disso tão bem quanto eu.

      – Bem – respondeu Quin, lentamente – , é verdade que eu, com meu processo mental gradual, não vi nenhuma piada neles. Mas, Barker, com seu sentido mais sutil, achou engraçado.

      Baker ficou bem vermelho, mas continuou a olhar para o horizonte.

      – Seu idiota – disse Lambert – por que você não pode ser como as outras pessoas? Por que não pode dizer algo realmente engraçado, ou segurar a sua língua? O homem que se senta em um chapéu em pantomina é uma visão muito mais engraçada do que você.

      Quin o considerou firmemente. Eles haviam chegado ao topo da serra e o vento atingiu seus rostos.

      – Lambert – disse Auberon – , você é um grande e bom homem, embora que eu seja enforcado se você aparenta isso. Mais ainda. É um grande revolucionário ou um salvador do mundo, e estou ansioso para vê-lo esculpido em mármore entre Lutero e Danton, se possível na sua atitude atual, o chapéu ligeiramente para o lado. Eu disse enquanto


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