O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton

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O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton


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      Truus olhou com insistência para a fotografia da sua família.

      — Mesmo que pudesse ajudar — continuou Tenkink —, diz-se que, em breve, aprovaremos a lei que fechará a nossa fronteira. Talvez seja em poucas semanas ou até dias. Se não tem a informação necessária, não vejo como…

      Truus entregou uma pasta castanha com cordões verdes que continha toda a informação de que precisaria, classificada corretamente. Era uma forma mais fácil de o fazer aceitar.

      — Está bem, está bem — acedeu Tenkink, abanando a cabeça. — Verei se consigo fazer com que as aceitem temporariamente. Só até lhes encontrarem lares fora da Holanda. Fica claro? Têm família noutro lugar, na Inglaterra ou nos Estados Unidos?

      — Sim, é claro, senhor Tenkink — replicou Truus. — É por isso que estão descalços no meio da neve a ver como queimam o seu orfanato judeu.

      EXPOSIÇÃO DA VERGONHA

      Lisl Wirth estava junto do marido na galeria de Munique, no último dia da exposição: Obras cubistas, futuristas e expressionistas que tinham sido expulsas dos museus alemães por não cumprirem os «padrões» artísticos do führer, todas expostas de má maneira e com preços destinados a fazer com que os visitantes se rissem. Qualquer pessoa com um pouco de sentido artístico perceberia que a outra exposição de Munique, a Exposição da Grande Arte Alemã, localizada na nova Haus der Deutschen Kunst de Hitler, estava cheia de paisagens incompetentes e nus aborrecidos em comparação. Como é que alguém podia fazer nus tão aborrecidos como aquela «grande» arte alemã? E esta era a «arte degenerada»? O Paul Klee que tinha à sua frente era lindo na sua simplicidade; as linhas ásperas da cara do pescador, a curva elegante dos seus braços, a longitude da cana de pesca num azul tão variado e evocador como o próprio mar. Fê-la pensar em Stephan, embora não soubesse porquê. Não achava que o seu sobrinho alguma vez tivesse ido à pesca.

      — Gostas? — perguntou a Michael, surpreendendo-se com a pergunta. Até há poucas semanas, teria tido a certeza de que adoraria, mesmo que fosse apenas porque ela também gostava. — O Klee, O Pescador — disse e teve de especificar a qual se referia, porque os quadros estavam todos misturados, uma falta de respeito que era evidente graças às palavras das paredes: A loucura torna-se método.

      Em vista do silêncio de Michael, Lisl concentrou-se nas palavras.

      Ouviu gargalhadas atrás dela, as pessoas de mentes fechadas a comportar-se como se esperava delas.

      Baixou o tom de voz e disse a Michael:

      — Pensava que o Goebbels gostava dos modernistas.

      Michael olhou para ela com inquietação.

      — Isso era antes de o Hitler dizer no seu discurso que a arte degenerada minava a cultura alemã, Lis. Antes de promover o Wolfgang Willrich e o Walter Hansen.

      Dois denunciantes — artistas falhados, mas denunciantes experientes — encarregados de estipular que arte devia aplaudir-se e que arte devia desprezar-se.

      — Esta exposição foi ideia do Goebbels e é um gesto político muito inteligente.

      Lisl afastou-se do quadro de Klee e de Michael. Quando é que o marido se transformara em alguém que valorizava a astúcia política acima da expressão artística?

      Até Gustav e Therese Bloch-Bauer pareciam indiferentes ao assalto nazi à cultura, embora todos estivessem demasiado ocupados com as suas famílias e as suas vidas para se aperceberem das nuvens políticas que se acumulavam por cima da fronteira entre a Alemanha e a Áustria. Todos pensavam que Hitler era uma moda alemã passageira, que não aconteceria na Áustria, que a Áustria sobrevivera ao assassinato do chanceler Dollfuss e à tentativa de golpe de estado nazi há três anos e também sobreviveria a isto. Além disso, as pessoas tinham negócios para gerir, crianças para criar, festas para ir, retratos para os quais posar e arte para comprar.

      Lisl fingiu interesse noutro quadro, noutra escultura, até acabar numa sala diferente da do marido, admirando um autorretrato de Van Gogh. Chagalls, Picassos e Gauguins, uma parede dedicada, de forma pouco lisonjeira, aos dadaístas. Ao chegar a uma divisão que catalogou como «a sala dos judeus», percebeu a situação delicada em que se encontrava. «Revelação da alma racial judia», estava escrito numa parede. Os quadros pareceram-lhe extraordinários. Esperava que, fosse o que fosse que revelassem, refletisse um pouco da sua própria alma.

      Contudo, era uma mulher judia a deambular sozinha por uma reunião hostil na Alemanha.

      Aquele medo súbito era ridículo. Munique era do outro lado da fronteira. Em menos de uma hora, poderia estar de volta à Áustria.

      Mesmo assim, foi procurar Michael novamente.

      Viu-o à frente de um Otto Dix de uma mulher grávida que tinha a barriga e os seios tão deformados que Lisl quase sentiu alívio por não poder ficar grávida. No entanto, a cara de Michael enquanto admirava o quadro era de um desejo profundo. Sempre dissera que não precisava de um herdeiro, que Walter se encarregaria do negócio chocolateiro da família dela e Stephan ficaria com o banco da família dele. Um banco que só sobrevivera graças ao dinheiro da família de Lisl, embora não tencionasse dizê-lo. Michael era um homem orgulhoso de uma família orgulhosa que atravessara um período de azar, como muitas outras depois de os mercados financeiros caírem, e Lisl nunca faria nada que pusesse o orgulho do seu marido em perigo, do mesmo modo que ele nunca lho faria. Stephan era como um filho para Michael, era o que o marido dizia sempre, e Walter também era. Porém, mesmo antes daquele momento, da revelação da sua expressão de desejo, Lisl já percebera que se passava alguma coisa, que Michael parecia cada vez menos devoto da educação universitária e dos encantos intelectuais que sempre dissera que eram a razão por que se apaixonara por ela.

      Fez uma pergunta a um desconhecido para que Michael ouvisse a sua voz e tivesse tempo de recuperar a compostura. Depois de o fazer, Lisl aproximou-se dele, segurou-lhe o braço e disse: «Poderíamos comprar esse Klee», só para dizer alguma coisa. Mas não o comprariam, nem ali nem em nenhum outro lugar, e não só porque tinha um preço exagerado.

      JUNTO AO CAIS

      O céu toldado ameaçava trazer mais neve, que cobriria a geada imunda das calçadas e dos canais gelados. Truus, que andava junto de Joop, passou à frente de três barcos incrustados no Herengracht, que já estava tão gelado que, em Amesterdão, começara a especular-se que, nesse ano, talvez pudesse realizar-se a Elfstendentocht pela primeira vez desde 1933. Junto da ponte situada à frente do seu apartamento, havia um pequeno grupo de adultos no meio do canal, com as crianças a patinar à sua volta ou simplesmente a deslizar com as botas. Aquela era a sua parte favorita do dia — Joop e ela a voltar para casa juntos como faziam quando Joop começara a cortejá-la, quando ela acabara os seus estudos na Escola de Comércio e começara a trabalhar no mesmo banco onde ele trabalhava.

      — Não te digo que não, Truus — estava a dizer Joop. — Não o proíbo. Sabes que nunca te proibiria de fazer algo que fosse importante para ti.

      Truus afundou as mãos enluvadas nos bolsos do seu casaco. Joop não tencionava criar uma discussão ou menosprezá-la. Era apenas a forma inconsciente de falar de alguns homens, mesmo os homens bons como ele, homens que se tinham tornado maiores de idade quando as mulheres nem sequer tinham conseguido o direito ao voto; quando, de facto, só os homens ricos tinham esse direito.

      Observaram como um menino pequeno, que mal sabia patinar, quase fez a irmã cair.

      — Eu também não te proibiria de fazer algo que fosse importante para ti, Joop — disse ao marido.

      Ele riu-se com carinho, pôs-lhe as mãos enluvadas nos cotovelos e deslizou-as para baixo para lhe tirar as dela dos bolsos e apertar-lhas.

      — Está bem, merecia isso — concedeu. — Devia ter figurado nos nossos votos matrimoniais: Amor, honra e que nem pensemos em proibir alguma coisa,


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