O Último Lugar No Hindenburg. Charley Brindley

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O Último Lugar No Hindenburg - Charley Brindley


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a parede oposta.

      Levou quatro meses para aprender o truque. Anos atrás, aos dezassete anos, ela observou os dançarinos de rua na cidade de Nova Iorque a representarem a mesma rotina, por isso sabia que aquilo era possível. Exigia concentração, velocidade e força nas pernas. Nas primeiras vezes em que tentou, caiu dura no asfalto, ferindo os cotovelos e os ombros.

      Concentrou-se nas duas marcas de arranhões na parede, depois agachou-se e correu em direção a elas. Deu um salto e pousou o pé esquerdo na primeira marca de arranhão, dois metros e meio acima do chão. Usando o seu impulso, levou o pé direito à segunda marca de arranhão e afastou-se. Virou-se no ar e, com os braços estendidos, aterrou de pé, de frente para a parede onde as duas marcas de arranhões davam a impressão empoeirada dos seus pés descalços. Curvou-se e fez piruetas para a sua audiência invisível.

      Recuando, ela encostou-se à parede ao lado da sua cama. Apósinspirar fundo, ela correu novamente para a parede oposta.

      Era um truque ridículo, sabia-o, mas era apenas uma das muitas rotinas inúteis que executava todos os dias. Teve que preencher o seu tempo com atividade, qualquer que fosse; caso contrário, o silêncio e o isolamento levá-la-iam à loucura.

      Após mais três escaladas na parede, ela caiu no chão para fazer flexões com uma mão.

      Este exercício também levara meses para ser aperfeiçoado. Quando foram presos, ela e o marido estavam em boas condições físicas; tinham que estar na sua profissão.

      Ela tinha sido capaz de fazer quarenta flexões antes de serem presos. Após quatro meses, trabalhou até às setenta. Então ela decidiu fazê-las só com uma mão. No começo, não conseguia fazer sequer uma, mas acabou por se sustentar na sua mão direita. Agora, com uma mão atrás das costas, ela podia fazer vinte flexões só com uma mão em menos de 45 segundos.

      Posteriormenteàs flexões, ela foi até ao lavatório para lavar o rosto. Havia uma sanita ao lado do lavatório e um espelho de metal polido acima deste. O metal não proporcionou um reflexo muito bom, mas foi suficiente para ela arranjar o cabelo.

      Ela puxou os cabelos ruivos por cima do ombro. Queria cortá-lo adequadamente, mas não lhe permitiam ter objetos pontiagudos. No entanto, ela aprendeu a cortar o cabelo ao esfregar as mechas contra as barras enferrujadas da janela.

      Ela guardou o cabelo que cortou desta maneira e fez uma trança nas madeixas irregulares num longo fio. Talvez um dia ela amarrasse a pequena corda ao pescoço de Lurch e o estrangulasse.

      Sorrindo, ela secou o rosto com a única toalha que tinha e pendurou-a num cabide na parede.

      À janela, cruzou os braços e olhou para o céu azul-persa do outono, onde um voo de nuvens cumulas flutuava no vento do Oeste.

      A sua janela não tinha vidro; apenas sete barras de aço enferrujadas. No verão, a janela permitia uma leve brisa, mas no inverno o vento frio do Norte assobiava através das barras.

      Durante os meses frios, os carcereiros forneciam dois cobertores ásperos de lã. Ela pendurou um sobre as barras para bloquear o vento e a neve. Espalhou o segundo sobre a sua fina colcha de musselina.

      Ela virou-se e foi para o centro da cela. Abrandou a respiração, encarou a porta rebitada e começou um exercício de tai chi em câmara lenta, chamado "Pisar a cauda do tigre".

      Trinta minutos depois, caiu no seu beliche e olhou para o teto manchado de água, onde rachaduras em ziguezague serpenteavam através das sombras escuras em direção às paredes. Ela distinguiu árvores e montanhas dentro de redemoinhos aleatórios. Formas nebulosas e imagens fantasmagóricas se transformavam numa figura infantil com um rosto perturbado.

      Memórias voltaram à tona, inundando-a com ondas de tristeza.

      Ela rolou de frente para a parede, puxou os joelhos com força contra os seios e soluçou.

      Capítulo Dois

      Período: Atualidade, Filadélfia, EUA

      Donovan bateu e esperou que alguém abrisse a porta. Mudou a pasta para a outra mão e olhou para a casa ao lado. A sua mãe tê-la-ia chamado de bangaló. A varanda era quase idêntica àquela onde ele estava. Do outro lado da rua havia outra casa semelhante, mas ligeiramente diferente, onde uma senhora idosa, magra, com boa postura e cabelo prata platinado regava as suas begónias enquanto protegia os olhos para observar Donovan.

      Construído na década de 1930, este bairro da Filadélfia consistia em pequenas casas alinhadas em ambos os lados de ruas sinuosas, onde bordos sacarinoscobriam as calçadas. Todas as casas, exceto esta, estavam arrumadas e limpas, com relvados bem cuidados.

      Ele olhou para as goteiras delapidadas, balançando a cabeça.

      Como pode alguém deixar as coisas desmoronarem daquela maneira?

      A porta abriu-se com um rangido e uma jovem apareceu.

      Donovan sentiu-se como se tivesse sido atingido por uma suave brisa tropical que soprava do azul das Caraíbas.

      A maquilhagem e o penteado não faziam diferença para uma mulher como ela. Embora ela não usasse maquilhagem e o seu cabelo ruivo estivesse puxado para trás e preso com um elástico vermelho, numa escala que ia de atraente a fofa, bonita, linda e deslumbrante, ela era pelo menos linda e meia.

      Ela olhou do rosto dele para o cartão de identificação pendurado num cordão.

      Ele não precisava realmente da identificação, mas usou-a para parecer sério. O suporte de plástico transparente continha a sua foto, com IMPRENSA em negrito acima dela. Abaixo da foto havia algumas frases descritivas em letras bem pequenas. Até tinha uma faixa de código de barras do lado esquerdo. Ele autointitulou-se de jornalista freelancer, entre outras coisas. Uma Canon novinha em folha estava guardada na sua pasta, caso precisasse.

      Ele olhou nos olhos dela por um momento. “E-eu sou…” A sua voz, normalmente firme e segura de si, fraquejou e falhou. Ele recomeçou. "Eu sou o D-Donovan."

      A mulher olhou para a sua mão estendida e deu um passo para o lado, apontando para que ele entrasse.

      Arrogante, pensou.Estaatitude só lhe rendeu o dobro dos meus honorários habituais.

      Ele já tinha lidado com a sua espécie antes - arrogante e presunçosa por ela ser uma das pessoas bonitas.

      Temos pena.

      Na sala da frente, ele olhou em volta para os móveis espartanos.

      A mulher — tinha cerca de vinte anos — estava diante dele, de braços cruzados.

      "Podemos começar?" ele perguntou.

      Ela acenou com a cabeça e caminhou em direção a um corredor, à sua esquerda.

      Ele encolheu os ombros e seguiu-a.

      Eles foram para uma sala com a porta aberta. Lá dentro estava um velhote sentado num cadeirãocom mau aspeto que mais parecia ter vindo dos anos 1930, tal como a casa e o próprio homem. Tinha alguns fios de cabelo grisalhos puxados para trás sobre as orelhas, e os seus olhos eram da cor de umas calças de ganga desgastadas. Uns suspensórios verde-claros sobre uma camisa branca de mangas compridas estavam presos à cintura das suas calças caqui.

      O velhote viu Donovan encaminhar-se para o lado da cadeira.

      "Sou o Donovan." Ele ofereceu a sua mão.

      O homem olhou para a mão de Donovan, depois olhou para a jovem com uma expressão interrogativa.

      Não me digas que ele também é arrogante. O que se passa com estas pessoas?

      Ele colocou a pasta no chão.

      Os olhos do homem seguiram os seus movimentos.

      "Ele não é cego," disse Donovan à mulher.

      Ela olhou do velho para ele. "Ele não é cego."

      "Você não é cego," disse Donovan.


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