Uma bala com o meu nome. Susana Rodríguez Lezaun

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Uma bala com o meu nome - Susana Rodríguez Lezaun


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uma inveja…

      Decidi aceitar aquilo como um elogio e não como uma lembrança da minha situação de vida e cumprimentei o marido.

      — Acabaste por vir sozinha — observou.

      Isso já não era um elogio, nem sequer uma lembrança. Era uma punhalada nas costas. Até Rachel se apercebeu do comentário inapropriado.

      — Sabes o que dizem: Mais vale só…

      Não acabei a frase. Sorri cortesmente e dirigi-me para o canto mais afastado, em que tinham instalado a mesa das bebidas. Os empregados deambulavam pela sala com bandejas cheias de taças de champanhe, mas, naquele momento, precisava de algo mais forte.

      Cumprimentei várias pessoas pelo caminho, quase todas cavalheiros que admiraram o meu decote sem pudor, antes de alcançar o bar improvisado.

      — Vodca com sumo de limão — pedi, enquanto observava a sala.

      Um minuto depois, apareceu um copo alto com a bebida ao pé da minha mão. Agarrei-o e decidi dar uma volta pela sala. Se algum benfeitor tivesse interesse em falar comigo, teria de ser agora.

      Devagar, deambulei entre as pessoas, os Monet e as esculturas branquíssimas de corte clássico que enfeitavam a entrada, bebendo pequenos goles do meu copo. Conversei com quatro ou cinco pessoas e sorri sempre que pude. Até aceitei dançar com um industrial bostoniano, um homem cujo apelido, tal como a fortuna da sua família, remontava à época colonial. Senti como os seus dedos acariciavam distraidamente as minhas costas. Fingi que não me apercebia, ou que não me importava, enquanto o magnata sorridente me falava das suas últimas aquisições nos leilões de arte de metade do mundo.

      — Sei que muitos colecionadores confiam em comerciantes e galeristas — comentou, com quatro dos cinco dedos da sua mão direita a aproximar-se perigosamente da beira do decote das costas —, mas prefiro ver a obra pessoalmente. Resisto a comprar às cegas, por muito que os catálogos a descrevam e incluam fotografias detalhadas. Talvez, algum dia, gostasse de me acompanhar a um desses leilões. O seu conselho de perita seria de grande utilidade. Pagaria pelos seus serviços, é claro…

      Sorri e agradeci a Deus em silêncio por a música ter acabado naquele momento. Agradeci-lhe pela dança e despedi-me com uma inclinação coquete de cabeça. Tenho a certeza de que lamentou abandonar o refúgio das minhas costas.

      Quando me virei, quase choquei com um dos empregados. O jovem esticou a mão e ofereceu-me um copo semelhante ao que acabara.

      — Acho que precisa disto — comentou, simplesmente.

      Surpreendida, aceitei a bebida sem dizer uma palavra. Ele virou-se e desapareceu entre os casais que tinham acabado de começar uma nova dança.

      A festa estava em pleno apogeu. As pessoas divertiam-se, as gargalhadas ecoavam entre as colunas e havia um desfile constante de bandejas com canapés e taças de champanhe. Pus um sorriso na minha cara até me doerem as faces e deslizei com discrição para uma das janelas abertas, perto da zona do bar e atrás de um Monet impressionante que me servia de escudo. Abençoado fosse o francês, os seus óleos grandes e as molduras douradas e enormes que os rodeavam. Amanhã, poderia preocupar-me com o estado em que ficavam depois da festa, com tanto calor, semelhante grau de humidade e todas essas pessoas a tocar neles, a usar os flashes dos seus telemóveis e a falar tão perto deles que quase conseguia ver as gotinhas de saliva a voar para as telas.

      Deixei o copo vazio num canto da mesa comprida e dirigi-me para a varanda. Estava uma noite magnífica, ideal para celebrar uma festa. Então, porque não era capaz de me divertir? Se pensar nisso agora, a resposta é muito simples: Porque estava sozinha e porque, certamente, continuaria assim durante o resto da minha vida. Não é que tivesse medo da solidão. Antes pelo contrário, desfrutava da minha independência e agradecia o facto de não ter de dar explicações a ninguém. Mas a solidão é uma companheira ingrata, exigente, que rouba as palavras até nos deixar mudos, que cobre a alma de pó e mofo e que costuma convidar fantasmas indesejados quando menos esperamos. Um prato, uma chávena, uma escova de dentes. Um só lado da cama quente.

      A quem contamos o desafio maravilhoso que enfrentamos no trabalho? Quem se senta ao nosso lado para ver um filme e comer pipocas? Com quem partilhamos a alegria, a dor, o medo, a ilusão… a vida?

      O sorriso congelara-me na cara e parecia insensível e dormente. Sorria para o vazio, para a noite quente que se abria à minha frente do outro lado da janela. Perdida nos meus pensamentos, não ouvi o empregado chegar até a mão dele me tocar no ombro com suavidade. Na bandeja que segurava com elegância havia uma nova mistura de vodca e um pires com dois canapés de caviar. Desta vez, olhei para a cara dele. Era um homem muito bonito. O cabelo ondulado, da cor do trigo maduro (acho que Monet teve alguma coisa a ver com as minhas apreciações), fora disciplinado para trás com gel. Observavam-me dois olhos azuis risonhos e divertidos, a condizer com o sorriso fabuloso que atravessava um rosto quase perfeito. Vestido de preto dos pés à cabeça, como o resto dos empregados, era, pelo menos, um palmo mais alto do que eu, apesar dos saltos. O arco do braço com que segurava a bandeja marcava uns músculos definidos por baixo da camisa e apostaria que a barriga estaria igualmente trabalhada.

      — Trago-lhe outra bebida, mas permiti-me acrescentar alguma coisa para comer. Com a vodca, o que condiz melhor é o caviar, sem dúvida.

      Hesitei por um instante, mas só um. Depois, estiquei a mão e agarrei num dos canapés. Era delicioso. Acompanhei as ovas com um gole generoso da bebida refrescante, tudo isso sem desviar o olhar dos seus olhos.

      — Quer um? — perguntei, em voz baixa.

      — Estou a trabalhar. Se não fosse assim, adoraria jantar consigo.

      — Gosta de caviar? — continuei a perguntar, juntando-me à sedução descarada.

      — Claro e quem não gosta?

      — Poderia nomear mais de vinte pessoas nesta sala que detestam ovas de esturjão e que só as comem porque são caras e porque, supostamente, é o que os ricos fazem.

      — Aparentar?

      — Comer caviar e tomar banho em champanhe.

      Ampliou o seu sorriso sem parar de olhar para os meus olhos.

      — É uma delas?

      — Uma de quem?

      — Uma snobe.

      Quase me engasguei com o canapé.

      — Foi a impressão que dei? — perguntei. Ele não respondeu. Continuou a olhar para mim como se tentasse ler a resposta na minha mente. — Não, claro que não, não sou uma snobe. Nem sequer sou rica. Estou aqui porque trabalho no museu. Sou restauradora de arte.

      — Deve ser uma profissão apaixonante.

      — É, ainda que, às vezes, signifique ter de vir a eventos aborrecidos como este e ver como os convidados maltratam todas estas obras de arte. Tudo é possível pelo orçamento do próximo ano!

      Levantei o meu copo teatralmente e bebi um gole. A vodca estava deliciosa.

      — O meu turno acaba às onze — disse, em voz baixa, com os olhos cor de cobalto fixos nos meus. Por um instante, achei que tentava hipnotizar-me. E talvez conseguisse. — Se lhe pareço um descarado, é livre para me esbofetear, mas fui convidado para uma festa e adoraria que me acompanhasse. Uma festa a sério. Música, dança, bebida, diversão…

      Não consegui evitá-lo. Talvez fosse por causa do efeito do álcool ou porque a sua proposta, na verdade, parecia uma piada, mas a questão é que deixei escapar uma gargalhada que fez com que os convidados mais próximos virassem a cabeça para olhar para mim. O empregado jovem observou-me, perturbado. Era muito bonito, portanto, imagino que não estaria habituado a ser rejeitado, mas eu também não estava habituada a ver que se riam de mim.

      — Não queria ofendê-la, lamento — murmurou, visivelmente envergonhado.

      Vi-o a corar e senti-me malvada. O jovem só tentava ser atencioso. E seduzir-me, é verdade,


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