A Ordem. Daniel Silva

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A Ordem - Daniel Silva


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Uma carta. Uma carta pessoal. Não oficial.

      — O Lucchesi era o destinatário?

      — O autor.

      — E o conteúdo da carta?

      — Sua Santidade recusou dizer-me.

      Gabriel não sabia se o arcebispo estava a ser inteiramente sincero.

      — Suponho que a carta tenha sido escrita à mão…

      — O vigário de Cristo não usa um processador de texto.

      — A quem estava endereçada?

      — A um velho amigo.

      Depois, Donati descreveu a cena que encontrou quando o cardeal Albanese o conduziu até ao quarto papal. Gabriel imaginou o quadro como se tivesse sido pintado a óleo sobre tela pela mão de Caravaggio. O corpo do pontífice falecido estendido sobre a cama, vigiado por um trio de prelados superiores. No lado direito da tela, pouco visíveis nas sombras, três leigos de confiança: o médico pessoal do papa, o chefe da pequena força policial do Vaticano e o comandante da Guarda Suíça Pontifícia. Gabriel nunca conhecera o doutor Gallo, mas conhecia Lorenzo Vitale, e gostava dele. Já Alois Metzler era outra história.

      O Caravaggio privado de Gabriel dissolveu-se, como se tivesse sido apagado por diluente. Donati estava a reproduzir a explicação de Albanese sobre como encontrara, e depois movera, o cadáver.

      — Francamente, é a única parte da história que é plausível. O meu mestre era bastante pequeno e o Albanese tem o físico de um boi. — Donati ficou em silêncio durante um momento. — Como é evidente, há, pelo menos, uma outra explicação.

      — Qual?

      — Que Sua Santidade nunca tenha chegado à capela. Que tenha morrido à secretária, no escritório, enquanto bebia chá. Tinha desaparecido, quando saí do quarto. Refiro-me ao chá. Alguém retirou a chávena e o pires, enquanto eu rezava junto do corpo de Lucchesi.

      — Suponho que não tenha sido submetido a uma autópsia.

      — O Vigário de Cristo…

      — Foi embalsamado?

      — Receio que sim. O corpo de Wojtyla ficou bastante cinzento enquanto estava em exibição na basílica. E, depois, houve o Pio XII. — Donati estremeceu. — Uma verdadeira desgraça. O Albanese disse que não queria correr riscos. Ou talvez estivesse simplesmente a ocultar o seu envolvimento. Afinal, se um corpo for embalsamado, torna-se muito mais difícil encontrar vestígios de veneno.

      — Tens mesmo de parar de ver essas séries policiais na televisão, Luigi.

      — Eu não tenho televisão.

      Gabriel deixou passar um momento.

      — Tanto quanto me lembro, não há câmaras de vigilância na lógia, no exterior do apartamento papal.

      — Se houvesse câmaras, o apartamento não seria privado, pois não?

      — Mas, certamente, havia um guarda suíço de serviço.

      — Há sempre.

      — Nesse caso, ele teria visto qualquer pessoa que tivesse entrado no apartamento.

      — Em princípio.

      — Perguntaste-lhe?

      — Nunca tive essa oportunidade.

      — Expressaste as tuas preocupações ao Lorenzo Vitale?

      — E o que é que o Lorenzo teria feito? Investigar a morte de um papa como um possível homicídio? — O sorriso de Donati foi caridoso. — Dada a tua experiência no Vaticano, surpreende-me que faças, sequer, uma pergunta dessas. Para além disso, o Albanese nunca teria permitido. Ele tinha a sua versão e mantinha-se fiel à mesma. Encontrou o Santo Padre na capela privada alguns minutos depois das dez e levou-o, sem ajuda, até ao quarto. Aí, na presença de três dos mais poderosos cardeais da Igreja, pôs em marcha a sequência de acontecimentos que conduziu à declaração de que o trono de São Pedro se encontrava disponível. Tudo isso enquanto eu degustava de um jantar tardio com uma mulher que, em tempos, amei. Se eu puser o Albanese em causa, ele destrói-me. E, de passagem, também destrói a Veronica.

      — E se passasses a informação a um jornalista de confiança? Há vários milhares acampados na Praça de São Pedro.

      — Este assunto é demasiado sério para ser confiado a um jornalista. Exige alguém suficientemente habilidoso e implacável para descobrir o que, de facto, aconteceu. E rapidamente.

      — Alguém como eu?

      Donati não respondeu.

      — Estou de férias — protestou Gabriel. — E é suposto voltar a Telavive daqui a uma semana.

      — O que te dá, exatamente, tempo suficiente para descobrires quem matou o Santo Padre antes do início do conclave. Para todos os efeitos, o conclave já começou. A maioria dos homens que vão escolher o próximo papa está refugiada na Casa Santa Marta. — A Domus Sanctae Marthae, ou Casa Santa Marta, era a hospedaria clerical de cinco andares no extremo sul da cidade-estado. — Posso garantir-te que os príncipes de chapéu vermelho não passam a noite a falar das notícias desportivas enquanto jantam. É imperativo descobrirmos quem esteve por trás do assassínio do meu mestre antes que eles se enfiem na Capela Sistina e as portas se tranquem nas suas costas.

      — Com todo o respeito, Luigi, não tens absolutamente nenhuma prova de que o Lucchesi foi assassinado.

      — Não te contei tudo o que sei.

      — Talvez agora seja uma boa altura para o fazeres.

      — A carta que desapareceu estava endereçada a ti. — Donati fez uma pausa. — Agora, pergunta-me sobre o guarda suíço que estava de serviço no exterior do apartamento papal, nessa noite.

      — Onde é que ele está?

      — Deixou o Vaticano algumas horas depois da morte do Santo Padre. Desde então, nunca mais foi visto.

      8

      RISTORANTE PIPERNO, ROMA

      Gabriel distraiu-se momentaneamente com o homem que deambulava pelo campo, enquanto os empregados de mesa recolhiam o primeiro prato. Usava óculos escuros e um chapéu e carregava uma mochila de nylon sobre um ombro quadrado. Gabriel supôs que tivesse ascendência do norte da Europa, alemã ou austríaca, talvez fosse escandinavo. Parou a alguns metros da mesa deles, como se estivesse a orientar-se, durante tempo suficiente para Gabriel calcular quanto tempo demoraria a sacar a Beretta que tinha guardada no fundo das costas. Em vez disso, tirou o telefone e fotografou o homem, enquanto este abandonava a praça.

      — Vamos começar pela carta. — Gabriel devolveu o telefone ao bolso interior do casaco. — Mas porque é que não saltamos para a parte onde alegas não saber por que motivo o Lucchesi estava a escrevê-la.

      — Não sei — insistiu Donati. — Mas, se tentasse adivinhar, diria que estava relacionada com alguma coisa que ele encontrou no Arquivo Secreto.

      L’Archivio Segreto Vaticano, o Arquivo Secreto do Vaticano, era o repositório central dos documentos papais relacionados quer com assuntos de religião quer de Estado. Situado perto da Biblioteca do Vaticano, no Palácio Belvedere, calculava-se que contivesse oitenta e cinco quilómetros de espaço nas prateleiras, grande parte deles em abrigos subterrâneos fortificados. Entre os seus inúmeros tesouros encontrava-se o Decet Romanum Pontificem, a bula papal do papa Leão X, de 1521, que ordenava a excomunhão de um problemático padre e teólogo alemão chamado Martinho Lutero. Era também o local de repouso final de grande parte da roupa suja de Igreja. No início do papado de Lucchesi, Gabriel trabalhara com Donati e o Santo Padre para divulgar documentos diplomáticos e outros relacionados com a conduta do papa Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial, onde seis milhões de judeus tinham sido sistematicamente


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