Castrado. Paulo Nunes

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Castrado - Paulo Nunes


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educadamente.

      Aidan pareceu decepcionado por não ter acertado na escolha do vinho para mim. Vi, em seu rosto, uma sensação de fracasso. Gosto de fazer isso com ele. Pensei.

      — Claro! Podemos trocar sim. Pensei que fosse gostar deste. Foi o garçom quem sugeriu — respondeu ele, tentando disfarçar seu próprio incômodo.

      — Você fez uma boa recomendação. Obrigado por isso. Mas prefiro beber um branco Châteauneuf-du-Pape, da Château Sixtini. Por favor, certifique-se de que nos trará um de uma safra de, pelo menos, três anos atrás, e que seja orgânico — comentei, gentilmente, olhando para o garçom, sorrindo levemente depois de falar.

      — O tempo só faz você melhorar seu bom gosto — comentou Aidan, referindo-se à escolha do vinho que fiz, e deu um gole demorado no uísque.

      — Não é bom gosto, Aidan. É somente uma questão de dar ao paladar o que ele precisa para me oferecer a experiência que desejo com a comida. Neste caso, o vinho serve à lagosta. Esse que pedi, vertido na taça, exala aroma de jasmim e pera. E a mescla do gosto suave de damasco somado à sua acidez imprimem em meu paladar o que preciso para que a lagosta fique mais saborosa do que já é — e dei um gole na água, encarando seus olhos, que demonstravam admiração pelos meus conhecimentos como apreciador de vinhos.

      Nisso, percebi que minhas falas com Aidan estavam sempre em tom de ataque, travestidas de elegância e sofisticação, mas sempre de ataque. Não fale dessa forma com ele, Gaius! Ele não pode desconfiar de nada. Seja doce e conseguirá o que quer. Pensei. Então, decidi ficar mais calado, pondo-o para falar.

      — Como estão as coisas com a sua construtora? — perguntei.

      Aidan contou que os negócios estavam caminhando bem e que a Holding Lifting, pertencente à sua família, desde a sua fundação, já havia completado quase vinte mil projetos em cento e quarenta países, e, ainda, que a empresa se dedicava, atualmente, à construção de uma gigantesca represa entre os estados de Arizona e Nevada. Curioso de como se dava o seu trabalho, incentivava Aidan a falar mais sobre ele, enquanto esperávamos o garçom nos trazer o vinho e levar nosso pedido de jantar. Ele parecia feliz de conversar, de explicar como era sua rotina de trabalho da manhã à noite durante quase todos os dias e de como passava seus fins de semana trabalhando sozinho em seu apartamento em Nova Iorque. Comentou que sentia falta de sair para jantar, de ir a um vernissage ou, simplesmente, de ver a um filme no cinema. Lamentou ao dizer que não tinha companhia para fazer essas coisas, pois quase todos os seus conhecidos ou colegas de trabalho eram casados e sempre rejeitavam seus convites. Declarou que se sentia incomodado em sair sozinho, quase deixando escapar que preferia ficar em casa por não ter um namorado com quem compartilhar esses momentos.

      Nossa conversa foi interrompida pelo garçom, que nos trouxe o vinho, abriu e verteu um pouco em minha taça para degustação. Percebendo o que fazia, comentei que já conhecia o vinho, e que ele podia servir a nós dois. Aidan e eu pedimos um pouco mais de água e o nosso jantar: uma salada verde mista de palma, uma lagosta Jumbo Nova Scotia de quatro libras com manteiga derretida e limão fresco, devidamente acompanhada de couve de bruxelas, creme e folhas de espinafre, batatas Au Gratin e cogumelos selvagens.

      Minutos depois, ao dispor os pratos sobre a mesa, o garçom deixou disponível uma lavanda, para o caso de precisarmos lavar as pontas dos dedos. Antes que eu passasse o guardanapo sobre minha cabeça e começasse a me preparar para quebrar a lagosta, Aidan, subserviente como sempre, falou:

      — Não precisa fazer isso. Você está muito bonito para colocar essa coisa horrorosa em seu pescoço. Eu quebro para você — e sorriu, tentando me agradar, lançando seu charme sobre mim.

      Aidan segurou a lagosta com as duas mãos e, com a ponta dos dedos, torceu-a vagarosamente em posições opostas, cabeça e corpo, desmembrando-os. Depois, quebrou o rabo e, em um movimento único e certeiro, enfiou seu longo dedo indicador pelo rabo da lagosta, empurrando aquela carne macia para fora da casca. Eu observava aqueles dedos ágeis e a concentração com que ele fazia aquilo e pensava que, talvez, um médico, em uma cirurgia, não conseguisse ser tão preciso quanto ele foi. Antes que eu piscasse os olhos novamente, as mãos meladas de Aidan estenderam, diante de mim, a carne da lagosta em um prato, pronta para ser comida. Recebi o prato que ele me deu e entreguei o meu vazio a ele. Observei-o fazer aquilo novamente com a pata da lagosta, desta vez, utilizando o quebrador. Aidan me deu a maior parte do crustáceo, ficando com a menor, e parecia contente com o que tinha em seu prato para comer. Esperando-o terminar para começarmos a comer juntos, contemplava seu rosto e vários pensamentos invadiam minha mente, inclusive o de se eu conseguiria concretizar o que planejei.

      — Prontinho. Vamos comer — disse ele, e ergueu a taça de vinho, propondo um brinde.

      — Obrigado por quebrar para mim. Nunca sei fazer isso direito. Uma vez, ela escapuliu da minha mão e caiu no chão. Desde esse dia, Marcus sempre quebrava para mim — comentei, e vi em seu rosto um semblante de preocupação aparecer.

      — Vamos falar de coisas boas esta noite. Um brinde a você e a nós, por este reencontro maravilhoso. Saúde — e pressionou sua taça contra a minha, piscando um olho para mim, enquanto deixava escapar um sorrisinho de felicidade.

      Enquanto jantávamos, Aidan falava sobre trabalho e a preocupação que tinha com seu pai, o Senhor Daan, que abusava do cigarro e das bebidas, mesmo já tendo passado dos sessenta anos. O que o angustiava naquele momento não eram somente os vícios do pai, mas, também, o fato de ele estar conhecendo mulheres jovens pela internet e de estar gastando, com elas, muito dinheiro em viagens e presentes. Segundo ele, o pai já o havia apresentado a uma ou duas delas. Os dois discutiram algumas vezes por causa disso, mas o Senhor Daan manteve-se inflexível na busca por alguns pequenos prazeres, mesmo na terceira idade, e enfrentou o filho, afirmando que precisava de sexo e, ainda, que se preciso fosse, pagaria para tê-lo. Aidan entendia que o pai havia se rendido à cultura dos chamados sugar daddy, e fez questão de comentar o quão vulgar aquilo lhe parecia. Narrando com reclamação as ações do pai, que considerava como descalabros, Aidan observava outras mesas, e franzia a testa, como se estivesse incomodado com alguma coisa. Percebendo que algo acontecia, perguntei a ele:

      — Algum problema, Aidan?

      — Acho que algumas pessoas estão nos fotografando — e virou a cabeça mais uma vez para os lados.

      Nisso, olhei para trás e vi quatro ou cinco mesas de pessoas, que cochichavam entre si e olhavam para nós de soslaio. Outras, usavam seus celulares para nos fotografarem e fazerem vídeos. No fim do restaurante, três ou quatro garçons observavam nossa mesa de forma diferente. Voltei meu rosto para Aidan e perguntei:

      — Por que eles estão olhando para nós?

      — Acho que é por causa do seu livro e por tudo que aconteceu.

      — Não sabia que tinha repercutido tanto assim... — comentava, quando fui interrompido por ele, que falou com tom de dissabor, mas sem ser grosseiro.

      — Gaius, você publicou um livro há mais de dois anos expondo todos nós, inclusive a si próprio. Seu livro, até hoje, já vendeu mais de trinta milhões de cópias no mundo inteiro e, em quase todo o primeiro ano, ficou na lista dos mais vendidos do The New York Times. E não podemos esquecer toda aquela confusão há seis meses, não é? Não se deve admirar que as pessoas reconhecessem você e comentassem o que narrou naquela história e o que aconteceu depois.

      Por um instante, refleti sobre o que Aidan dizia. Há meses que eu não pisava em solo norte-americano. Tinha retornado há poucos dias e não imaginava que as coisas que contei no livro tivessem ganhado aquela proporção. Pensei que a imprensa tivesse esquecido de mim. Agora entendo porque a produção da Oprah insiste tanto em uma entrevista. E confesso que estar ali, com todas aquelas pessoas falando sobre mim, incomodou-me, mas não o suficiente para me fazer parar de comer a minha lagosta com aquele delicioso creme de espinafre.

      — Você quer sair daqui? — perguntou Aidan, preocupado.

      — Não. De jeito nenhum. Sempre vivi em Nova Iorque,


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