Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo


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Borboleta?!... Sim... Sim... lembro-me agora que a senhora passeava pelo jardim. Já sei de quem foram certas carreirinhas e portanto compreendo que sabeis de tudo à custa...

      — A custa da fada, senhor, e escuso estender-me mais, porque vós estais bem certo de que eu devo saber ainda muito.

      Sim, mas diga sempre.

      — Não, antes quero falar-vos do vosso presente.

      — Pelo amor de seus belos olhos, minha senhora, vamos antes ao que eu não sei, vamos ao meu futuro.

      — Sois sobejamente sôfrego! Não vedes como isso vai contra a boa ordem da narração?

      — Mas a desordem é hoje moda! O belo está no desconcerto; o sublime no que se não entende; o feio é só o que podemos compreender: isto é, romântico; queira ser romântica, vamos ao meu futuro.

      — Pois bem, vamos ao vosso futuro. Principiarei, como pretendia fazer, se falasse do presente de vossa vida, dizendo-vos que vós não sois tão inconstante como afetais.

      — Misericórdia!

      — Mas que estais a ponto de o ser; digo-vos que perdereis uma certa aposta que fizestes com três estudantes.

      — Como é isso? Então a senhora sabe...

      — A fada que me revelou isso leu o termo na carteira de quem o guardou.

      — A fada? Sim, a feiticeira o leu... Compreendo.

      — Vós não sois inconstante, porque tendes até hoje cultivado com religioso empenho o amor de vossa mulher; mas vós o ides ser, porque não longe está o dia em que a esquecereis por outra.

      — A culpa será dos olhos dessa outra; porém quem sabe?... Desejo que não; contudo, eu já vos vejo em princípio e temo que ides ao fim; sereis perjuro, tereis de escrever um romance e perdoai-me se vos desejo este mal: eu quisera que ao pé de meu irmão, que vos apresentará o termo da aposta, aparecesse a vossos olhos a mulher traída. Do vosso futuro eis quanto me disse a fada.

      — E disse bastante para me confundir.

      — Quereis que vos fale agora do vosso presente?

      — Oh, se quero! No presente está a minha glória.

      — Ontem, no baile, dissestes palavras de ternura pelo menos a seis senhoras.

      — Esta agora é melhor! E quem o pôde notar?

      — Provavelmente a fada vos observava.

      — Então a fada, a feiticeira fazia isso?

      — Depois do baile puseram-vos duas cartas no bolso.

      — Que mãos delicadas?... Não mo sabe dizer a fada, porém vós viestes para esta gruta acudindo a um convite, e fingistes adivinhar segredos de corações.

      — Não era verdade: a fada nada vos revelou, e o que dissestes que sabíeis antes e a fada me disse como.

      — Explique-me, pois, minha senhora.

      — Quando involuntariamente fui causa de vos entornarem café nas calças, vós fostes mudar de roupa e entrastes para o gabinete das senhoras; lá ouvistes tudo o que afetastes adivinhar há pouco.

      — E quem me viu entrar?

      — A fada sem dúvida. O cravo de d. Quinquina fostes vós que o recebestes no jardim; na noite dos jogos de prendas, fostes vós ainda quem, com uma luz na mão, procurou e achou a trança de cabelos de d. Clementina, embaixo da quarta roseira da rua que vai para o caramanchão.

      — Mas quem observou o que eu fiz às escondidas e com tanto cuidado?

      — A fada, que, segundo penso, vos tem sempre seguido com os olhos.

      — A fada?!... A feiticeira me segue sempre com os olhos?!... Oh! Como sou feliz!... A feiticeira é a senhora!

      — Senhor! Sois pouco modesto; que me importariam vossos passos e vossas ações?...

      — Perdão! Perdão!... Eu sou um tresloucado... um incivil... um doido... não sei o que faço, nem o que digo, mas continue...

      — Basta! Vós duvidastes da fada e por isso eu termino aqui. Não! Não minha senhora! E preciso dizer-me mais alguma coisa ainda!... Por força a fada lhe deveria ter revelado! Ela, que adivinha tudo o que está dentro do meu coração, diga o que ainda se passa nele.

      Nada mais me disse.

      — Beba outro copo d’água...

      — Não julgo necessário. Pois então...

      — Cumpre retirar-me.

      — Não é por certo! Perdoe-me, minha senhora, mas eu devo descobrir todos os meus segredos a quem conhece tão boa parte deles.

      — Eu me contento com o pouco que sei.

      — Ouça uma só palavra...

      — Não sou curiosa.

      — Pois a senhora...

      — Sei que sou senhora, mas sou exceção de regra; não quero saber.

      — Embora, eu lhe direi ainda contra a vontade...

      — E para isso toma-me a saída?...

      — E só para lhe dizer que eu amo...

      — Já sei, à sua mulher

      — Não é isso: a uma bela moça...

      — Ela o deve ser agora.

      Muito espirituosa...

      — Já ela o era em criança.

      — E que se chama...

      — Ah! espreitam-nos da entrada da gruta!

      Augusto correu a examinar quem era a indiscreta testemunha; não aparecia pessoa alguma; compreendeu então que fora ainda um meio de que se lembrara d. Carolina para não deixá-lo concluir sua declaração e, disposto a lançar-se aos pés da menina, voltou-se já com o nome da bela nos lábios, e...

      D. Carolina tinha desaparecido da gruta.

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