Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo


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da festa esteve realmente desapiedada. e não quis passear com o estudante.

      .A interessante d. Violante fez o diabo a quatro: tomou doze sorvetes, comeu pão-de-ló como nenhuma, tocou em todos os doces, obrigou alguns moços a tomá-la por par, e até dançou uma valsa corrupio.

      Augusto apaixonou-se por seis senhoras com quem dançou; o rapaz é incorrigível. E assim tudo mais.

      Agora são quatro horas da manhã; o sarau está terminado, os convidados vão retirando-se e nós, entrando no toilette, vamos ouvir quatro belas conhecidas nossas, que conversam com ardor e fogo.

      — É possível?!... exclamou d. Quinquina, dirigindo-se à sua mana; pois é verdade que esse sr. Augusto lhe fez uma declaração de amor?...

      — Como quer que lhe diga, maninha!... Asseverou que meus olhos pretos davam à sua alma mais luz do que aos seus olhos todos os candelabros da sala nesta noite, e mesmo do que o sol nos dias mais brilhantes... palavras dele.

      — Que insolente!... tornou d. Quinquina, ele mesmo, que me jurou ser a mais bela a seus olhos e a mais cara ao seu coração, porque meus cabelos eram fios de ouro e a cor das minhas faces o rubor de um belo amanhecer!... Palavras dele.

      — Que atrevido!... bradou d. Clementina; o próprio que afirmou ser-lhe impossível viver sem alentar-se com a esperança de possuir-me, porque eu sabia ferir corações com minhas vistas e curar profundas mágoas com meus sorrisos!... Palavras dele.

      — Oh! Que moço abominável, disse, por sua vez, d. Gabriela; e ousou dizer-me que me amava com tão subida paixão que, se fora por mim amado e pudesse desejar e pedir algum extremo, não me pediria como a outras, para beijar-me a face, porque das virgens do céu somente se beijam os pés, e de joelho! Palavras dele.

      — Mas isto é um insulto feito a todas nós!

      — Como se estará ele rindo!

      — Qual! Se ele está apaixonado... Apaixonado?... E por quem?...

      — Por nós quatro... talvez por outras mais: ele pensa assim.

      — Que maldito brasileiro com alma de mouro!...

      — E havemos de ficar assim?...

      — Não, acudiu d. Joaninha: vamos ter com ele, desmascaremo-lo.

      — Isto é nada para quem não tem vergonha!...

      — Pois troquemos os papéis: finjamos que estávamos tratadas para desafiar-lhe os requebros, e... ridicularizemo-lo como for possível.

      — Sim... obriguemo-lo a dizer qual de nós é a mais bonita; cada uma lhe pedirá um anel de seus cabelos... uma prenda... uma lembrança... ponhamo-lo doido.

      — Muito bem pensado! Vamos!

      — Deus nos livre!... A vista de tanta gente!...

      — Então, quando e aonde?

      — Uma idéia... seja a zombaria completa: escreva-se uma carta anônima, convidando-o para estar ao romper do dia na gruta.

      — Bravo! Então escreva...

      — Eu, não, escreva você...

      — Deus me defenda! ... escreva d. Gabriela, que tem boa letra...

      — Então, nenhuma escreve? Pois tiremos por sorte.

      A idéia foi recebida com aprovação e a sorte destinou para secretária d. Clementina, que tirando de seu álbum um lápis uma tira de papel, escreveu sem hesitar:

      "Senhor: — Uma jovem que vos ama e que de vós escutou palavras de ternura tem um segredo a confiar-vos: ao ralar da aurora a encontrareis no banco de relva da gruta; sede circunspecto e vereis a quem, por meia hora ainda, quer ser apenas — Uma incógnita".

      — Bem, disse d. Quinquina, eu me encarrego de fazer-lhe receber a carta. Saiamos.

      As quatro moças iam sair, quando um suspiro as suspendeu; mais alguém estava no toilette. D. Joaninha, medrosa de que uma testemunha tivesse presenciado a cena que se acabava de passar, voltou-se para o fundo do gabinete e o susto logo se dissipou.

      — Vejam como ela dorme! ... disse.

      Com efeito, recostada em uma cadeira de braços, d. Carolina estava profundamente adormecida.

      A Moreninha se mostrava, na verdade, encantadora no mole descuido de seu dormir, e à mercê de um doce resfolegar, os desejos se agitavam entre seus seios; seu pezinho bem à mostra, suas tranças dobradas no colo, seus lábios entreabertos e como por costume amoldados àquele sorrir cheio de malícia e de encanto que já lhe conhecemos e, finalmente, suas pálpebras cerradas e coroadas por bastos e negros supercílios, a tornavam mais feiticeira que nunca.

      D. Clementina não pôde resistir a tantas graças: correu para ela... dois rostos angélicos se aproximaram... quatro lábios cor-de-rosa se tocaram e este toque fez acordar d. Carolina.

      Um beijo tinha despertado um anjo, se é que o anjo realmente dormia.

      Capítulo XVII: Foram buscar lã e saíram tosquiadas

      Se houve alguém que quisesse servir a d. Quinquina, ou se foi ela mesma quem pôs a carta anônima no bolso da jaqueta de Augusto, é coisa que pouco interesse dá; o certo é que o estudante, indo tirar o lenço para assoar-se, achou o interessante escritinho; então correu logo para um lugar solitário, e só depois de devorar o convite sem assinatura, foi que lembrou-se que ainda não se havia assoado e que o pingo estava cai não cai na ponta do nariz; enfim, ainda com o lenço acudiu a tempo, e depois entendeu que, para melhor decidir o que lhe cumpria fazer naquela conjuntura, deveria avivar o cérebro, sorvendo uma boa pitada de rapé; portanto, lançou a mão ao segundo bolso de sua jaqueta, e eis que lhe sai com a caixa do bom Princesa um outro escritinho como o primeiro.

      — Bravo! exclamou o nosso estudante; temíveis mãozinhas seriam estas, se se dessem ao exercício, não de encher, mas de vazar as algibeiras da gente.

      E sem mais dizer, abriu e leu o escrito.

      "Senhor: — Uma moça, que nem é bonita nem namorada, mas que quer interessar-se por vós, entende dever prevenir-vos que no banco de relva da gruta não achareis ao amanhecer uma incógnita, porém quatro conhecidas, que pretendem zombar de vós, porque esta mesma noite jurastes amar a cada uma delas cm particular. Não procureis adivinhar quem vos escreve, porque apesar de vossa amiga será por agora — Uma incógnita".

      — Muito bonito! Muito bonito!... disse Augusto, beijando o bilhete; estou exatamente representando um papel de romance! Mas quem sabe se ainda acharei mais cartas?...

      E nisso pensando, foi correndo um por um todos os bolsos de seus vestidos, sem esquecer o do relógio; e até passou os dedos pela sua basta cabeleira, presumindo que talvez introduzissem algum no enorme canudo de cabelos que lhe escondia as orelhas.

      Porém nada mais havia; também duas cartas tão curiosas já eram de sobra em uma só noite.

      O estudante pensou no conteúdo de ambas, e ainda reflexionava se lhe cumpria fugir ou aceitar um certame com quatro moças, que ele adivinhava quais eram, quando a primeira rosa da aurora se desabriu no horizonte. Augusto correu para a gruta encantada.

      Chegando ao pé, foi de mansinho se aproximando, sentiu rumor e ouviu que alguém dizia em tom baixo:

      — Oh! Se ele vier!

      — Ei-lo aqui, minhas belas senhoras, exclamou o estudante, que entendeu não lhes dever nunca dar tempo a tomarem a ofensiva; eis-me aqui!...

      As moças, que estavam todas sentadinhas no banco de relva, como quatro pombas rolas enfileiradas no mesmo galho, ergueram-se sobressaltadas ao ver entrar inopinadamente o estudante; era isso mesmo o que ele queria, pois continuou:

      — As senhoras vêem que acudi de pronto ao honroso convite e que me entusiasmo vendo quatro auroras em lugar de uma só. Belo amanhecer é este, sem dúvida... mas, exposto ao fogo abrasador de oito olhos


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