Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo


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varanda da frente, sentou-se defronte do jardim. Batista acabava de dar fim ao jogo da palhinha e começava novo: Augusto pediu que o dispensassem e foi ter com a dona da casa.

      — Não joga mais, sr. Augusto? disse ela.

      — Por ora não, minha senhora.

      — Parece-me pouco alegre.

      — Ao contrário... estou satisfeitíssimo.

      — Oh! O seu rosto mostra não sentir o que dizem seus lábios; se aqui lhe falta alguma coisa...

      — Na verdade que aqui não está tudo, minha senhora.

      — Então que falta?

      — A sra. d. Carolina!

      A boa senhora riu-se com satisfação. Seu orgulho de avó acabava de ser incensado: era tocar-lhe no fraco.

      — Gosta de minha neta, sr. Augusto?

      — É a delicada borboleta deste jardim, respondeu ele, mostrando as flores.

      — Vá buscá-la, disse a sra. d. Ana, apontando para dentro.

      — Minha senhora, tanta honra!

      — O amigo de meu neto deve merecer minha confiança: esta casa é dos meus amigos e também dos dele. Carolina está, sem dúvida, no quarto de Paula; vá vê-la e consiga arrancá-la de junto da sua ama.

      A sra. d. Ana levou Augusto pela mão até o corredor e depois o empurrou brandamente.

      — Vá, disse ela, e receba isso como a mais franca prova de minha estima para com o amigo de meu neto.

      Augusto não esperou ouvir nova ordem: endireitou para o quarto de Paula, com presteza e alegria. A porta estava cerrada; abriu sem ruído e parou no limiar.

      Três pessoas havia nesse quarto: Paula, deitada e abatida sob o peso de sua sofrível mona, era um objeto triste e talvez ridículo, se não padecesse; a segunda era uma escrava que acabava de depor junto do leito a bacia em que Paula deveria tomar o pedilúvio recomendado, objeto indiferente; a terceira era uma menina de quinze anos, que desprezava a sala, em que borbulhava o prazer, pelo quarto em que padecia uma pobre mulher; este objetivo era nobre...

      D. Carolina e a escrava tinham as costas voltadas para a porta e por isso não viam Augusto: Paula olhava, mas não via, ou antes não sabia o que via.

      — Anda, Tomásia, dá-lhe o escalda-pés! disse d. Carolina.

      Pela sua voz conhecia-se que tinha chorado.

      A escrava abaixou-se e puxou os pés da pobre Paula; depois, pondo a mão n’água, tirou~a de repente, e sacudindo-a:

      — Está fervendo!... disse.

      — Não está fervendo, respondeu a menina; deve ser bem quente, assim disseram os moços.

      A escrava tornou a pôr a mão e de novo retirou-a com presteza tal, que bateu com os pés de Paula contra a bacia.

      — Estonteada!... Sai... Afasta-te, exclamou d. Carolina, arregaçando as mangas de seu lindo vestido.

      A escrava não obedeceu.

      — Afasta-te daí, disse a menina em tom imperioso; e depois abaixou-se no lugar da escrava, tomou os pés de sua ama, apertou-os contra o peito, chorando, e começou a banhá-los.

      Belo espetáculo era o ver essa menina delicada, curvada aos pés de uma rude mulher, banhando-os com sossego, mergulhando suas mãos tão finas, tão lindas, nessa mesma água que fizera lançar um grito de dor à escrava,

      quando aí tocara de leve com as suas, tão grosseiras e calejadas!... Os últimos vislumbres das impressões desagradáveis que ela causara a Augusto, de todo se esvaíram. Acabou-se a criança estouvada... ficou em seu lugar o anjo de candura.

      O sensível estudante viu as mãozinhas tão delicadas da piedosa menina já roxas, e adivinhou que ela estava engolindo suas dores para não gemer; por isso não pôde suster-se e, adiantando-se, disse:

      — Perdoe, minha senhora.

      — Oh!... O senhor estava aí?

      E tenho testemunhado tudo!

      A menina abaixou os olhos, confusa, e apontando para a doente, disse:

      — Ela me deu de mamar.

      — Mas nem por isso deve a senhora condenar suas lindas mãos a serem queimadas, quando algum dos muitos escravos que a cercam poderia encarregar-se do trabalho em que a vi tão piedosamente ocupada.

      — Nenhum o fará com jeito.

      — Experimente.

      — Mas a quem encarregarei?

      — A mim, minha senhora.

      — O senhor falava de meus escravos...

      — Pois nem para escravo eu presto?

      — Senhor!

      E nisto o estudante abaixou-se e tomou os pés de Paula, enquanto d. Carolina, junto dele, o olhava com ternura.

      Quando Augusto julgou que era tempo de terminar, a jovenzinha recebeu os pés de sua ama e os envolveu na toalha que tinha nos braços.

      — Agora deixemo-la descansar, disse o moço.

      — Ela corre algum risco?...perguntou a menina.

      — Afirmo que acordará amanhã perfeitamente boa.

      — Obrigada!

      — Quer dar-me a honra de acompanhá-la até à sala? disse Augusto, oferecendo a sua mão direita à bela Moreninha.

      Ela não respondeu, mas olhou. com gratidão, aceitando o braço do mancebo, deixou o quarto de Paula.

      Capítulo XV: Um dia em quatro palavras

      Ao romper do dia de Sant’Ana estavam todos na ilha de... descansando nos braços do sono: era isso muito natural,depois de uma noite como a da véspera, em que tanto se havia brincado.

      Com efeito, os jogos de prendas tinham-se prolongado excessivamente. A chegada de d. Carolina e Augusto lhes deu ainda dobrada viveza e fogo. A bonita Moreninha tornou-se mais travessa do que nunca; mil vezes barulhenta, perturbava a ordem dos jogos de modo que era preciso começar de novo o que já estava no fim; outras tantas rebelde, não cumpria certos castigos que lhe impunham, não deu um só beijo e aquele que atreveu-se a abraçá-la, teve em recompensa um beliscão.

      Finalmente, ouviu-se a voz de vamos dormir, e cada qual tratou de fazer por consegui-lo.

      O último que se deitou foi Augusto e ignora-se por que saiu de luz na mão, a passear pelo jardim, quando todos se achavam acomodados; de volta do seu passeio noturno, atirou-se entre Fabrício e Leopoldo e imediatamente adormeceu. Os estudantes dormiram juntos.

      São seis horas da manhã e todos dormem ainda a sono solto. Um autor pode entrar em toda a parte e, pois... não, não, alto lá! No gabinete das moças... Não senhor; no dos rapazes, ainda bem. A porta está aberta. Eis os quatro estudantes estirados numa larga esteira; e como roncam!... Mas que faz o nosso Augusto? Ri-se, murmura frases imperceptíveis, suspira... Então que é isso?... Dá um beijo em Fabrício; acorda espantado e ainda por cima empurra cruelmente o mesmo a quem acaba de beijar...

      Oh, beleza! Oh, inexplicável poder de um rosto bonito que, não contente com as zombarias que faz ao homem que vela, o ilude e ainda zomba dele dormindo!

      Estava o nosso estudante sonhando que certa pessoa, de quem ele tivera até aborrecimento e que agora começava com olhos travessos a fazer-lhe cócegas no coração, vinha terna e amorosamente despertá-lo; que ele fingira continuar a dormir e ela se sentara à sua cabeceira~ que, traquinas como sempre, em vez de chamá-lo queria rir-se acordando-o pouco a pouco; que para isso aproximava seu rosto do dele, e, assoprando-lhe os lábios, ria-se ao ver as contrações que produzia a titilação causada pelo sopro; que ele,


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