Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo


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hesitou alguns momentos... depois, aproximou-se de Augusto e, com seu sorriso feiticeiro e irresistível nos lábios, disse...

      — O senhor me perdoa?...

      — Não! Não! Não! clamaram de todos os lados.

      Mas a menina parecia contar com o poder de seus lábios, porque, sorrindo-se ainda do mesmo modo, tornou a perguntar com meiguice e ternura:

      — Me perdoa?...

      — Não! Não!

      — Porém, como resistir ao seu sorriso?... Como dizer que não a quem pede como ela?...exclamou Augusto, entusiasmado.

      D. Carolina estava, pois, perdoada.

      — Agradecida! disse ela com vivo acento de gratidão e estendeu sua destra para Augusto que, não podendo ceder tudo com tão criminoso desinteresse, tomou entre as suas aquela mãozinha de querubim e fez estalar sobre ela o beijo mais gostoso que tinham até então dado seus lábios.

      A manhã deste dia foi assim passada e à tarde voltou-se aos preparativos dosarau.

      Capítulo XVI: O sarau

      ‘Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de telhado abaixo. Em um sarau todo o mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanha na mão, os mais intrincados negócios; todos murmuram e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das cantigas do seu tempo, e o moço goza todos os regalos da sua época; as moças são no sarau como as estrelas no céu; estão no seu elemento; aqui uma, cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos aplausos, por entre os quais surde, às vezes, um bravíssimo inopinado, que solta de lá da sala do jogo o parceiro que acaba de ganhar sua partida do écarté mesmo na ocasião em que a moça se espicha completamente, desafinando um sustenido; daí a pouco vão outras pelo braço de seus pares, se deslizando pela sala e marchando em seu passeio, mais a compasso que qualquer de nossos batalhões da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que conversam sempre sobre objetos inocentes que movem olhaduras e risadinhas apreciáveis. Outras criticam de uma gorducha vovó, que ensaca nos bolsos meia bandeja de doces que vieram para o chá, e que ela leva aos pequenos que, diz, lhe ficaram em casa. Ali vê-se um ataviado dândi que dirige mil finezas a uma senhora idosa, tendo os olhos pregados na sinhá, que senta-se ao lado. Finalmente, no sarau não é essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns e regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos olhos.

      E o mais é que nós estamos num sarau: inúmeros batéis conduziram da corte para a ilha de... senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidade: alegre, numerosa e escolhida sociedade enche a grande casa, que brilha e mostra em toda a parte borbulhar o prazer e o bom gosto.

      Entre todas essas elegantes e agradáveis moças, que com aturado empenho se esforçam por ver qual delas vence em graças, encantos e donaires, certo que sobrepuja a travessa Moreninha, princesa daquela festa.

      Hábil menina é ela! Nunca seu amor-próprio produziu com tanto estudo seu toucador e, contudo, dir-se-ia que o gênio da simplicidade a penteara e vestira. Enquanto as outras moças haviam esgotado a paciência de seus cabeleireiros, posto em tributo toda a habilidade das modistas da rua do Ouvidor e coberto seus colos com as mais ricas e preciosas jóias, d. Carolina dividiu seus cabelos em duas tranças, que deixou cair pela costa; não quis adornar o pescoço com seu adereço de brilhantes nem com seu lindo colar de esmeraldas; vestiu um finíssimo, mas simples vestido de garça, que até pecava contra a moda reinante, por não ser sobejamente comprido. Vindo assim aparecer na sala, arrebatou todas as vistas e atenções.

      Porém, se um atento observador a estudasse, descobriria que ela adrede se mostrava assim, para ostentar as longas e ondeadas madeixas negras, em belo contraste com a alvura de seu vestido branco, e para mostrar, todo nu, o elevado colo de alabastro, que tanto a aformoseava, e que seu pecado contra a moda reinante não era senão um meio sutil de que se aproveitara para deixar ver o pezinho mais bem feito e mais pequeno que se pode imaginar.

      Sobre ela estão conversando agora mesmo Fabrício e Leopoldo; terminaram sem dúvida a sua prática; não importa. Vamos ouvi -los.

      — Está na verdade encantadora!... repetiu pela quarta vez aquele.

      — Danças com ela? perguntou Leopoldo.

      — Não, já estava engajada para doze quadrilhas.

      — Oh! Lá vai ter com ela o nosso Augusto. Vamos apreciá-lo.

      Os dois estudantes aproximaram-se de Augusto, que acabava de rogar à linda Moreninha a mercê da terceira quadrilha.

      — Leva de tábua, disse Fabrício ao ouvido de Leopoldo; é a mesma que eu lhe havia pedido.

      Mas a jovenzinha pensou um momento antes de responder ao pretendente; olhou para Fabrício e com particular mover de lábios pareceu mostrar-se descontente; depois riu-se e respondeu a Augusto:

      — Com muito prazer.

      — Mas minha senhora, disse Fabrício, vermelho de despeito e aturdido com um beliscão que lhe dera Leopoldo; há cinco minutos que já estava engajada até á duodécima.

      — E verdade, tornou d. Carolina; e agora só acabo de ratificar uma promessa; o sr. Augusto poderá dizer se ontem pediu-me ou não a terceira contradança.

      — Juro... balbuciou Augusto.

      — Basta! acudiu Fabrício interrompendo-o; é inútil qualquer juramento de homem, depois das palavras de uma senhora.

      Fabrício e Leopoldo retiraram-se; d. Carolina, que tinha iludido o primeiro, vendo brilhar o prazer na face de Augusto, e temendo que daquela ocorrência tirasse este alguma explicação lisonjeira demais, quis aplicar um corretivo e, erguendo-se, tomou o braço de Augusto. Aproveitando o passeio, disse:

      — Agradeço-lhe a condescendência com que ia tomar parte na minha mentira... foi necessário que eu praticasse assim; quero antes dançar com qualquer, do que com aquele seu amigo.

      — Ofendeu-a, minha senhora?

      — Certo que não, mas diz-me coisas que não quero saber.

      — Meu Deus! É um crime que também eu tenho estado bem perto de cometer!

      — Pois bem, foi esta a única razão.

      — Mas eu temo perder a minha contradança... alguns momentos mais e serei réu como Fabrício.

      — A culpa será de seus lábios.

      — Antes dos seus olhos, minha senhora.

      — Cuidado, sr. Augusto! Lembre-se da contradança!

      — Pois será preciso dizer que a detesto?...

      — Basta não dizer que me ama.

      — Ë não dizer o que sinto; eu não sei mentir. Ainda há pouco ia jurar falso...

      — Nas palavras de um anjo ou de uma...

      — Acabe.

      — Tentaçãozinha.

      — Perdeu a terceira contradança.

      — Misericórdia! Eu não falei em amor!...

      Neste momento a orquestra assinalou o começo do sarau. E preciso antecipar que nos não vamos dar ao trabalho de descrever este; é um sarau como todos os outros, basta dizer o seguinte:

      Os velhos lembraram-se do passado, os moços aproveitaram o presente, ninguém cuidou do futuro. Os solteiros fizeram por lembrar-se do casamento, os casados trabalharam por esquecer-se dele. Os homens jogaram, falaram em política e requestaram as moças; as senhoras ouviram finezas, trataram de modas e criticaram desapiedadamente umas às outras. As filhas deram carreirinhas ao som da música, as mães, já idosas, receberam cumprimentos por amor daquelas e as avós, por não terem que fazer nem que ouvir, levaram todo o tempo a endireitar as toucas e a comer doces. Tudo esteve debaixo destas regras gerais; só basta dar conta das seguintes particularidades:


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