Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III. Luis de Camoes
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Pois o bem que me deveis,
Nunca mo satisfareis.
Perdigão perdeo a penna,
Não ha mal que lhe não venha.
Perdigão, que o pensamento
Subio a hum alto lugar,
Perde a penna do voar,
Ganha a pena do tormento:
Não tẽe no ar, nem no vento,
Azas com que se sostenha:
Não ha mal que lhe não venha.
Quiz voar a huma alta torre,
Mas achou-se desasado;
E vendo-se despennado,
De puro penado morre.
Se a queixumes se soccorre,
Lança no fogo mais lenha:
Não ha mal que lhe não venha.
Pois a tantas perdições,
Senhoras, quereis dar vida,
Ditosa seja a ferida,
Que tẽe taes Cirurgiões!
Pois ventura
Me subio a tanta altura,
Que me sejais valedoras,
Ditosa seja a tristura,
Que se cura
Por vossos rogos, Senhoras!
Ser minha pena mortal,
Ja qu'entendeis, que he assi,
Não quero fallar por mi,
Que por mi falla meu mal.
Sois formosas,
Haveis de ser piedosas,
Por ser tudo d'huma côr;
Que pois Amor vos fez rosas
Milagrosas,
Fazei milagres de Amor.
Pedi a quem vós sabeis,
Que saiba de meu trabalho,
Não pelo qu'eu nisso valho,
Mas pelo que vós valeis.
Que o valer
De vosso alto merecer,
Com lho pedir de giolhos,
Fara qu'em meu padecer
Possa ver
O poder que tẽe seus olhos.
Vossa muita formosura
Com a sua tanto val,
Que me rio de meu mal,
Quando cuido em quem me cura.
A meus ais,
Peço-vos que lhe valhais,
Damas de Amor tão valídas,
Que nunca tal dor sintais,
Que queirais,
Onde não sejais queridas.
Na fonte está Leonor
Lavando a talha, e chorando,
Ás amigas perguntando:
Vistes lá o meu amor?
Pôsto o pensamento nelle,
Porque a tudo o Amor a obriga,
Cantava, mas a cantiga
Erão suspiros por elle.
Nisto estava Leonor
O seu desejo enganando,
Ás amigas perguntando:
Vistes lá o meu amor?
O rosto sôbre hũa mão,
Os olhos no chão pregados,
Que de chorar ja cansados,
Algum descanso lhe dão;
Desta sorte Leonor
Suspende de quando em quando
Sua dor; e em si tornando,
Mais pezada sente a dor.
Não deita dos olhos ágoa,
Que não quer que a dor s'abrande
Amor, porque em mágoa grande
Sécca as lagrimas a mágoa.
Despois que de seu amor
Soube novas perguntando,
D'improviso a vi chorando.
Olhae que extremos de dor!
Que diabo ha tão damnado,
Que não tema a cutilada
Dos fios seccos da espada
Do fero Miguel armado?
Pois se tanto hum golpe seu
Sôa na infernal cadeia;
Do que o demonio arreceia
Como não fugirei eu?
Com razão lhe fugiria,
Se contr'elle, e contra tudo
Não tivesse hum forte escudo
Só em Vossa Senhoria.
Por tanto, Senhor, proveja,
Pois me tẽe ao remo atado,
Que antes que seja embarcado,
Eu desembargado seja.
Vossa Senhoria creia
Que não apura o engenho
Fome, se he como a que tenho,
Mas afraca e corta a veia.
E quem o contrário sente,
Está farto em toda a hora,
Como estou faminto agora:
Mas Martha, se está contente,
Dá-lhe pouco de quem chora.
E pois Vossa Senhoria
Em geral a tudo acode,
Acuda a mi, que só póde
Dar-me no engenho valia.
Esperte esta Musa minha,
Que o tempo traz somnolenta;
Valha-lhe nesta tormenta
Com essa doce mézinha,
Que só dá vida e contenta.
Acuda com provisão,
Não de papel, mas provída
D'ouro e prata; que esta vida
Não sustentão papéis, não.
De feitor a thesoureiro
Ser-me-hia trabalho grande;
Vossa Senhoria mande
Algum remedio, primeiro,
Com que a morte o ferro abrande.
Nos