Ndura. Filho Da Selva. Javier Salazar Calle

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Ndura. Filho Da Selva - Javier Salazar Calle


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sendo seguido, que estava cada vez mais encurralado, acuado em uma selva ilimitada. Inclusive, parecia-me ouvir passos e vozes atrás de mim ou ver rostos rápidos de guerrilheiros olhando-me com frieza entre as árvores, vigiando sem cessar. A verdade é que não cheguei a ver ninguém com clareza, nem sequer pude verificar nenhum rastro de sua presença na região. Tinha a impressão de que as árvores se dobravam sobre minha cabeça, aprisionando-me mais e mais em uma cela de madeira viva. Não sabia se estava ficando paranoico ou o quê, mas tinha que conseguir me acalmar para sobreviver nesta selva desconhecida e mortal.

      Nesse deambular demente me deparei com um espetáculo dantesco. O que parecia ter sido uma família de primatas, do tamanho de um chimpanzé ou semelhante, jazia em uma clareira sem mãos, pés e cabeças em meio a grandes poças de sangue ressecado e rodeados por miríades de moscas e todo tipo de insetos e animais carniceiros. O fedor que expeliam era insuportável e não pude evitar o vômito que subiu instantaneamente pela garganta. Juntei coragem e voltei a olhar. Havia dois que deviam ser adultos e um menorzinho. Não parecia haver nenhuma cria. O que não sabia era por que não foram capturados, presos ou por que não foram levados para serem vendidos no mercado ilegal. Sabia que havia determinadas partes de animais que se vendiam muito bem como afrodisíacos nos países asiáticos: chifres de rinocerontes, ossos de tigres e coisas assim. Na melhor das hipóteses, seria algo desse tipo. Decidi me afastar desse lugar maldito o mais rápido possível. Essa descoberta não apenas me demonstrou mais uma vez a crueldade humana, mas também me fez ver que andava por zonas frequentadas por caçadores furtivos, certamente pouco amigáveis com estranhos.

      Sentia-me demasiadamente afetado por tudo o que estava acontecendo. Houve um momento em que finalmente me deu uma forte cãibra na panturrilha direita, o que me obrigou a parar para esticá-la enquanto apertava a boca com força por causa da dor e me retorcia no chão. Tive que permanecer sentado por um bom tempo até que pudesse me mover outra vez e fiquei incomodado pelo resto do dia. Diversas vezes pensei que a puxada voltaria e tive que parar para esticar a perna. Quando começou a anoitecer, estava completamente esgotado e não havia avançado muito por causa do ritmo lento que tive que assumir. Sobretudo, minhas pernas estavam exaustas de tanto caminhar, o joelho e a panturrilha doloridos e os pés dormentes. Observando do ponto de vista positivo, a minha barriga de cerveja que havia começado a se formar já estava me deixando. Já era alguma coisa. Não deveria perder meu senso de humor, isso talvez viesse a me salvar. Era a única coisa que me sobrava. Isso e minha vontade de sobreviver. Elena, o que eu não daria agora por um abraço seu, pelo seu sorriso! Ou por uma daquelas refeições maravilhosas que você me preparava!

      Sentei-me sobre um tronco caído e comi todo o marmelo que me sobrava, com um grande gole d’água. Ao meu redor,

      sobrava apenas um quinto da garrafa e nada de comida. Esta terceira noite passaria novamente sobre uma árvore. Depois da experiência com as formigas não acreditava que conseguiria pegar no sono, já que as formigas estão tanto no chão como nas árvores, muito menos me agradava a ideia de que os canalhas dos disparos me encontrassem dormindo. Como na primeira noite, busquei uma árvore adequada e quando a encontrei, encarapinhei-me sobre o galho escolhido, subindo por uma trepadeira. Quando coloquei a mão nela tive que retirá-la rapidamente pois senti uma picada aguda. A trepadeira era espinhosa. Esfreguei a mão dolorida e procurei outra árvore. Quando a encontrei, subi com muito cuidado e me dispus a passar outra noite mais neste inferno. Tirei os tênis e as meias e rezei para que estivessem secos na manhã seguinte, ainda que duvidasse bastante, já que o ar estava quase permanentemente úmido. Meus pés estavam enrugados e de uma cor verde-amarronzada escura. Sequei-os como pude, mas a sensação de mal-estar persistiu. Tentei me aquecer, mas não houve jeito nem com a manta, nem me esfregando o corpo. As picadas dos mosquitos e das formigas me molestavam sem parar, mas não podia fazer nada. O único que me aliviava essas moléstias era quando passava barro úmido pelo corpo para evitar as picadas; nesses momentos o ardor constante se via transformado em uma reconfortante sensação que não sabia como descrever. Nas pernas sentia uma dor constante sem conseguir localizar, o mesmo que nas costas. O braço direito estava dormente devido ao esgotamento de estar todo o dia fazendo movimentos de machadadas com a vara. Estava tão esgotado que dormi logo. Meu último pensamento foi a esperança de que ao acordar no dia seguinte estivesse um café da manhã me esperando com um copão de leite com mel e um par de torradas cheias de manteiga e geleia de morangos ou de amoras.

      

      

      Um ruído muito próximo me despertou e quase caí no chão com o susto. Agora sim. Haviam me descoberto, estava acabado. Tanto esforço para nada, havia deixando que me pegassem desprevenido, descuidado e agora ia pagar caro. Agarrei-me fortemente ao galho e olhei aterrorizado em todas as direções, procurando pelos rebeldes, gritando não atire, não atire! Mas não vi nada. Se tivessem sido eles, teriam disparado ou ao menos me feito descer da árvore, mas era um alarme falso. Queria saber que tipo de animal havia passado por ali, estava um pouco obcecado.

      – Será que não posso acordar um dia com tranquilidade?, –resmunguei em voz alta–. Não podem me deixar tranquilo um momento?

      A verdade era que não importava. Desci e me espreguicei dando grandes bocejos. Havia dormido umas boas horas seguidas, mas as costas me doíam uma barbaridade. Além disso, conforme me limpei um pouco voltei a notar as picadas contínuas nas pernas e braços, onde as formigas e os mosquitos haviam fincado o ferrão. Isso de dormir em um galho não deveria ser muito bom para o corpo, mas às vezes me parecia preferível ao chão, onde estava à disposição de toda pessoa ou animal que passasse por ali. Olhei com atenção minhas pernas e braços e vi que algumas feridas, sobretudo as roçaduras com plantas, estavam infectadas. Era o que me faltava. Ouvi um rugido crescente, que na verdade era o meu estômago. Tinha uma fome atroz e não me restava nada para colocar na boca. Minha prioridade para esse dia era encontrar comida, já que água no momento não era um problema porque havia voltado a localizar o rio. Gostaria que o sensato Alex estivesse ao meu lado para poder escutar seus sempre meditados e sábios conselhos. Mas eu estava sozinho, Alex estava morto, Juan estava morto e eu estava sozinho. Por minha culpa, tudo por minha culpa.

      Aproximei-me do rio para lavar o rosto um pouco e beber água. Também enchi a garrafa. Bebi tanta água que fiquei momentaneamente saciado, mas isso duraria pouco. Sentei-me sobre uma pedra e me pus a refletir sobre o melhor modo de conseguir alimento. Enquanto eu tentava encontrar uma solução fixei a atenção em uma árvore próxima que me fez lembrar de algo. Observei-a com atenção. Sabia que algo me escapava, era aquela sensação de ter algo na ponta da língua e não saber o quê. Então me lembrei. Era essa mesma árvore onde havia visto aquela espécie de papagaios comendo seus frutos. Foi aí que se acendeu a lâmpada, onde a ideia finalmente quebrou os moldes do esquecimento, onde a necessidade acabou com a estagnação da minha mente. Se os animais comiam aqueles frutos, possivelmente eu também poderia. Havia lido que alguns tinham o metabolismo capaz de digerir frutos venenosos, mas a maioria dos que arrancavam deveria ser comestível para mim também, principalmente se um macaco o podia comer, que era o animal mais parecido com o homem que havia por esses lugares.

      Levantei-me e fui até a árvore. Depois escalei por entre os galhos e colhi dois ou três frutos dos que me pareceram mais apetitosos. Logo desci com eles e abri o primeiro pela metade com a navalha. O interior me lembrava cabelo de anjo em sua forma e textura, mas de cor vermelha. Descasquei uma das metades e dei uma pequena mordida.

      Mastiguei devagar, quase chupando. Tinha um sabor estranho, mas era bom. Comi as duas metades com voracidade e descasquei uma segunda fruta que também comi. Quando parti a terceira pela metade vi que tinha uns bichos e joguei-a fora. Voltei a subir na árvore e colhi mais meia dúzia. Cinco delas entre as mais duras, pensando em levá-las comigo na mochila para que me servissem nos outros dias; as outras para comer nesse mesmo instante.

      Terminei o café-da-manhã e me senti plenamente satisfeito, tanto por haver conseguido comer como pelo feito em si de haver conseguido encontrar comida. De todo modo, propus-me a permanecer muito atento a partir de agora para encontrar outras fontes de alimento, fossem frutos ou qualquer outra coisa, já que não podia estar unicamente à base dessa fruta.


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