Romancistas Essenciais - Coelho Neto. August Nemo

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Romancistas Essenciais - Coelho Neto - August Nemo


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meu rapaz, não sei que é descanso. O interesse é de todos vocês.

      Paulo tomou o chapéu e a bengala e, arrebatadamente, sem mesmo falar ao velho, que enxugava a fronte suada, abriu a porta e saiu resmungando.

      — Tem paciência, - insistiu Fábio - é assim: quem quer faz assim.

      A porta, impelida pelo vento, abria-se devagarinho, rinchando, e Dona Júlia levantou-se para fechá-la. Sós, o velho Fábio externou-se francamente:

      — Olhe, comadre, quer saber? Parecia que eu estava adivinhando isto; mais de uma vez, lá em casa, eu disse à Marta: "Aquilo não vai bem. Aquela menina não tem modos, não sai da janela, dando trela a quanto pelintra vê." Agora, que o caso está passado, eu digo a verdade: Marta não era lá muito pelas conversas de Violante com Cristina. Não dava a perceber para que a senhora não ficasse magoada, mas gostar, não gostava. E eu cheguei a falar, lembre-se bem, no dia dos anos do Tula. Era com todos, comadre... até com homens casados.

      Dona Júlia suspirou, afirmando:

      — Sim, o compadre falou... Mas que havia eu de fazer?

      — Que havia de fazer?! Pois então a comadre não é mãe? Olhe, a Cristina é noiva, mas vá lá saber se eu a deixo um instante só com o noivo... E é um moço sério. Não, senhora; há sempre gente na sala com eles.

      E, curvando-se, sentenciou com lentidão:

      — Minha comadre - a ocasião faz o ladrão. Isso de moças solteiras é mais melindroso do que parece. - Engrossou a voz: E Violante? reunia aqui uma súcia de frangotes; era conversa com um, era risada com outro, afastando os moços sérios que a estimavam. De um sei eu que era doido por ela.

      — O Fernando, da botica.

      — Sim, senhora, o Fernando. Está começando a vida, mas é um rapaz de futuro. Ele disse-me, lastimando, que sempre que passava por sua casa via Violante à janela e rapazes batendo a calçada.

      Cruzou os braços, perguntando com ar de nojo:

      — Isso era decente? diga! era decente?

      — Eu não sei! - suspirou a boa senhora.

      — O rapaz recuou, porque, afinal, ele não a queria por passatempo, e a comadre compreende que, quando um homem pensa seriamente em casar, trata de estudar a moça, indaga, informa-se... E Violante? Não se zangue comigo, mas a senhora foi culpada em parte, isso foi. Amor não é isso. Eu quero muito à Cristina, mas nem por isso ando a passar-lhe a mão pela cabeça - quando é preciso, falo, grito, bato o pé e ninguém me contraria. Não, que não admito. Não vai casar? então...! Ainda depois de casada, se for preciso, lá irei dizer-lhe as verdades, mesmo diante do marido, porque o que eu quero é vê-la feliz. Mas sua filha, se a gente queria dar-lhe um conselho, saltava logo com duas pedras na mão. Outro - esse rapaz.

      A velha levantou os olhos assombrados:

      — Sim senhora, o Paulo. Excelente menino, mas um pouco atrevido... e parece que não tem ainda o juízo assente: são dez, vinte idéias por dia; quer ser tudo, não é nada. Em quantas academias tem ele andado? Já quis ser engenheiro, deixou; pensou em meter-se na marinha, andou a estudar para guarda-livros, e está agora às voltas com a medicina. Esse há de ser médico quando eu for frade. Não é assim, tenha paciência. Não é assim.

      — Mas ele estuda, compadre; eu vejo. Fica, às vezes, até de madrugada em cima dos livros.

      — Que tem isso? Estuda e é inteligente, mas à primeira dificuldade, recua desanimado. Não, senhora - é para diante! Quem quer ser alguma coisa na vida queima as pestanas e firma-se numa idéia: é isto porque é! Ele não - é só orgulho! - e encheu as bochechas, bufando. - Ninguém tem o direito de lhe dizer uma palavra que logo se não espinhe. Se um professor faz uma observação, fica de trombas, não volta à escola, e há de viver assim: daqui para ali, sem firmar-se em uma carreira. Também já não é uma criança; com vinte anos há por aí muito pai de família.

      — E ele, então, não trabalha, compadre?

      — Trabalha, trabalha... mas é um mês aqui, um mês ali. A propósito: ainda está no jornal?

      — Ainda.

      — Pois olhe: admira. Que melhor emprego queria ele que o de amanuense na Secretaria do Interior? Não fez concurso? Não foi classificado?

      — Diz que não tem jeito para emprego público.

      — Ah! não tem jeito?! O que ele não tem é cabeça, como a irmã. Agora mesmo - no primeiro momento fez, aconteceu, andou por aí com chuva, mas já desanimou, nem se preocupa mais com o caso. Não é assim, comadre; não é assim. Quem quer alguma coisa, trabalha; sem persistência nada se faz; a senhora bem sabe, porque tem lutado para viver. Mas é preciso ter o juízo assente. Com a menina foi o mesmo: vontades, vontades, e aí está em que deram. Então, Violante não podia cuidar um pouco da casa, arrumar o seu quarto? coser a sua roupa? Eu nunca vim aqui que a encontrasse trabalhando - ou estava dormindo ou lendo, recostada na cadeira de balanço, como uma princesa. Nem os ticos vivem assim, comadre; nem os que têm... Enfim, não quero amofíná-la mais; vamos ver se ainda se pode fazer alguma coisa. É no que dão as condescendências. Quem quer belas flores e belos frutos poda as demasias da planta. É assim.

      Levantou-se.

      — Não quer uma xícara de café, compadre?

      — Nada, obrigado.

      Apanhou o chapéu e o guarda-chuva.

      — E a comadre não desconfia de algum dos tais tipos?

      — Eu nem os conheço; vivia sempre lá para dentro, metida comigo, no meu trabalho.

      — E ela, aqui esparrimada à janela, de prosa.

      Deu d'ombros, afundando o chapéu na cabeça; e, d'olhos altos:

      — Mas que loucura da rapariga!

      E ficou um momento a olhar o teto, meneando com a cabeça:

      — Bem, adeus, comadre. Pois eu vou por aí, e se conseguir saber alguma coisa, dou um pulo até cá.

      — Nós vamos mudar-nos.

      — Quando?

      — Amanhã.

      — Para onde?

      — Para o cais da Glória. Paulo achou lá uma casinha. O senhor compreende: não podemos ficar aqui - vem um, vem outro, perguntam...A gente tem vergonha.

      — É natural, é. Pois é isso: faça o rapaz mover-se.

      Caminhou até a porta e, voltando-se:

      — Olhe, nós lá estamos... sem cerimônia. Para os de casa, como a comadre, há sempre lugar. Sem cerimônia.

      — Obrigada, compadre; eu sei.

      O velho escancarou a porta e, já na rua, repetiu:

      — Se conseguir saber alguma coisa dou um pulo até cá.

      — Será favor.

      — Adeus. E não se amofine.

      — Lembranças a todos.

      — Obrigado.

      E foi-se pigarreando.

      VII

      Com o rosto encostado à persiana, Dona Júlia deixou-se estar esquecida, o olhar perdido, pensando nas palavras do velho Fábio que, só então, depois de vinte e cinco anos de amizade, porque o marido levara, como um dote, aquele coração, cuja bondade vivia a apregoar - emitia a sua opinião sincera sobre "os pequenos" que, a bem dizer, lhe haviam crescido ao colo. Não estimava, então, a afilhada, tinha-a em má conta, achando-a indigna de conversar com Cristina, a inocente e triste Cristina, sempre chorosa e pressaga, com idéias de convento e de morte. E por que? que havia feito Violante para que assim a julgassem? Ah! infeliz de quem se vê ao desamparo! Se o marido fosse vivo o compadre


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