Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo


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sustentar com tão vivo fogo a inconstância do amor.

      — Mas, minha senhora, não sei por que se quer espantar!... E uma opinião.

      — Um erro, senhor! ... Ou, melhor ainda, um sistema perigoso e capaz de produzir grandes males.

      — Eis o que também me espanta!

      — Não, senhor, nada há aqui que exagerado seja; rogo-lhe que por um instante pense comigo: se o seu sistema é bom, deve ser seguido por todos; e se assim acontecesse, onde iria assentar o sossego das famílias, a paz dos esposos, se lhe faltava a sua base — a constância?...

      Augusto guardou silêncio e ela continuou:

      — Eu devo crer que o sr. Augusto pensa de maneira absolutamente diversa daquela pela qual se explicou. Consinta que lhe diga: no seu pretendido sistema, o que há é muita velhacaria; finge não se curvar por muito tempo diante de beleza alguma, para plantar no amor-próprio das moças o desejo de triunfar de sua inconstância.

      — Não, minha senhora, o único partido que eu procuro, e tenho conseguido tirar, é o sossego de que há algum tempo gozo.

      — Como?

      — É uma história muito longa, mas que eu resumirei em poucas palavras. Com efeito, não sou tal qual me pintei durante o jantar. Não tenho a louca mania de amar um belo ideal, como pretendi fazer crer; porém, o certo é que eu sou e quero ser inconstante com todas e conservar-me firme no amor de uma só.

      — Então o senhor já ama?...

      — Julgo que sim.

      — A uma moça?

      — Pois então a quem?...

      — Sem dúvida bela!...

      — Creio que deve ser.

      — Pois o senhor não sabe?...

      — Juro que não.

      — O seu semblante?

      — Não me lembro dele.

      — Mora na corte?...

      — Ignoro-o.

      — Vê-a muitas vezes?...

      — Nunca.

      — Como se chama?...

      — Desejo muito sabê-lo.

      — Que mistério!

      — Eu devo mostrar-me grato à bondade com que tenho sido tratado, satisfazendo a curiosidade que vejo muito avivada no seu rosto; e, pois, a senhora vai ouvir o que ainda não ouviu nenhum dos meus amigos, o que eu não lhes diria, porque eles provavelmente rir-se-iam de mim. Se deseja saber o mais interessante episódio de minha vida, entremos nesta gruta, onde praticaremos livres de testemunhas, e mais em liberdade.

      Eles entraram.

      Era uma gruta pouco espaçosa e cavada na base de um rochedo que dominava o mar. Entrava-se por uma abertura alta e larga, como qualquer porta ordinária. Ao lado direito havia um banco de relva, em que poderiam sentar-se a gosto três pessoas; no fundo via-se uma pequena bacia de pedra, onde caía, gota a gota, límpida e fresca, água que do alto do rochedo se destilava; preso por uma corrente à bacia de pedra, estava um copo de prata, para servir a quem quisesse provar da boa água do rochedo.

      Foi este lugar escolhido por Augusto para fazer suas revelações à digna hóspeda.

      O estudante, depois de certificar-se de que toda a companhia estava longe, veio sentar-se junto da sra. d. Ana, no banco de relva, e começou a história dos seusamores.

      Capítulo VII: Os dois breves, branco e verde

      Negócios importantes, minha senhora, tinham obrigado meu pai a deixar sua fazenda e a vir passar alguns meses na corte; eu o acompanhei, assim como toda a nossa família, isto foi há sete anos, e nessa época houve um dia... mas que importa o dia?... Eu o poderia dizer já; o dia, o lugar, a hora, tudo está presente à minha alma, como se fora sucedido ontem o acontecimento que vou ter a honra de relatar; é uma loucura... a minha mania... embora... Foi, pois, há sete anos, e tinha eu então treze anos de idade, que, brincando em uma das belas praias do Rio de Janeiro, vi uma menina que não poderia ter ainda oito.

      Figure-se a mais bonita criança do mundo, com um vivo, agradável e alegre semblante, com cabelos negros e anelados voando ao derredor de seu pescoço, com o fogo do céu nos olhos, com o sorrir dos anjos nos lábios, com a graça divina em toda ela, e far-se-á ainda uma idéia incompleta dessa menina.

      Ela estava à borda do mar e seu rosto voltado para ele; aproximei-me devagarinho. Uma criança viva e espirituosa, quando está quieta, é porque imagina novas travessuras ou combina os meios para executar alguma a que se opõe obstáculos; eu sabia isto por experiência própria; cheguei-me para saber em que pensava a menina; a pequena distância dela parei, porque já tinha adivinhado seu pensamento.

      Na praia estava deposta uma concha, mas tão perto do mar, que quem a quisesse tomar e não fosse ligeiro e experiente se expunha a ser apanhado pelas ondas, que rebentavam com força, então.

      Eu vi a travessa menina hesitar longo tempo entre o desejo de possuir a concha e o receio de ser molhada pelas vagas; depois pareceu haver tomado uma resolução: o capricho de criança tinha vencido. Com suas lindas mãozinhas arregaçou o vestido até aos joelhos, e quando a onda recuou, ela fez um movimento, mas ficou ainda no mesmo lugar, inclinada para diante e na ponta dos pés: segunda, terceira, quarta, quinta onda, e sempre a mesma cena de ataque e receio do inimigo. Finalmente, ao refluxo da sexta, ela precipitou-se sobre a concha; mas a areia escorregou debaixo de seus pés e a interessante menina caiu na praia, sem risco e com graça: erguendo-se logo e, espantada ao ver perto de si a nova onda, que desta vez vinha mansa e fraca como respeitosa, correu para trás e sem o pensar atirou-se nos meus braços, exclamando:

      — Ah!... Eu ia morrer afogada!...

      Depois, vendo-se com o vestido cheio de areia, começou a rir-se muito, sacudindo-o e dizendo ao mesmo tempo:

      — Eu caí! Eu caí!...

      E como se não bastasse esta passagem rápida do susto para o prazer, ela olhou de novo para o mar, e tornando-se levemente melancólica, balbuciou com voz pesarosa, apontando para a concha:

      — Mas... a minha concha!...

      Ouvindo a sua voz harmoniosa e vibrante, eu não quis saber de fluxos nem refluxos de ondas; corri para elas com entusiasmo e, radiante de prazer e felicidade, apresenteime à linda menina, embora um pouco molhado, mas trazendo a concha desejada.

      Este acontecimento fez-nos logo camaradas. Corremos a brincar juntos com toda essa confiança infantil que só pode nascer da inocência e que ainda em parte se dava em mim, posto que já esse tempo fosse eu um pouco velhaquete e sonso, como um estudante de latim que era, e por tal já procurava minhas blasfêmias no dicionário.

      É sempre digno de observar-se esta tendência que têm as calças para o vestido! Desde a mais nova idade e no mais inocente brinquedo aparece o tal mútuo pendor dos sexos... e de mistura umas vergonhas muito engraçadas...

      Eu cá sempre fui assim; quando brincava o tempo-sera, por exemplo, sempre preferia esconder-me atrás das portas com a menos bonita de minhas primas, do que com o mais formoso de meus amigos de infância.

      Mas, como ia dizendo, nós brincamos juntos, corríamos e caíamos na areia, e depois ríamos ambos de nós mesmos. Tínhamos esquecido todo o mundo, e pensávamos somente em nos divertir, como os melhores amigos.

      Depois de uma agradável hora passada em mil diversas travessuras, que nossa imaginação e inconstância de meninos modificava e inventava a cada momento, a minha interessante camarada voltou-se de repente para mim, e perguntou:

      — Sou bonita, ou feia?...

      Eu quis responder-lhe mil coisas... corei... e finalmente murmurei tremendo:

      — Tão bonita!...


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