Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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todos

      Olhares ardentes,

      Suspiros ferventes

      Bem pode soltar:

      Não negue a nenhum

      Protestos de amor;

      A qualquer que for

      O pode jurar.

      III

      Os velhos não devem

      Formar exceção,

      Porquanto eles são

      Um grande partido;

      Que, em falta de moço

      Que fortuna faça,

      Nunca foi desgraça

      Um velho marido.

      IV

      Ciúmes e zelos,

      Amor e ternura

      Não será loucura

      Fingida estudar;

      Assim ganhar tudo

      Moças se tem vis/o,

      Serve muito isto

      Antes de casar.

      V

      Contra os ardilosos

      Oponha seu brio:

      Tenha sangue frio

      Pra saber fugir;

      Eu, todos os casos

      Sempre deve estar

      Pronta pra chorar,

      Pronta para rir.

      VI

      Pode bem a moça,

      Assim praticando,.

      Dos homens zombando,

      A vida passar;

      Mas, se aparecer

      Algum toleirão,

      Sem mais reflexão,

      É logo casar.

      — Então o negócio é assim, minha senhora? exclamei eu, ao vê-la levantar-se do piano.

      — Certamente, me respondeu ela; é este, pouco mais ou menos, o breviário por onde reza a totalidade das moças.

      — Fico-lhe extremamente agradecido pelo desengano.

      — Estimo que lhe sirva de muito.

      — Já serve, minha senhora; já tirei grande proveito dele.

      — E como?

      — Escute. Abatido e desesperado com os meus infortúnios, eu tinha jurado não amar a mais nenhuma moça que fosse morena, corada ou pálida: estavam, pois, esgotados os belos tipos... eu deveria morrer celibatário.

      — E agora?...

      — Agora?... Graças ao seu lundu, juro que de hoje avante amarei a todas elas... morenas, coradas, magras e gordas, cortesãs ou roceiras, feias ou bonitas... tudo serve.

      — E, com efeito, minha senhora, continuou Augusto, dirigindo-se à sra. d. Ana, fiz-me absolutamente um ser novo, graças ao lundu; guardando e beijando com desvelo o meu querido breve, que sempre comigo trago, eu conservo a lembrança mais terna e constante de minha mulher: ela é o amor de meu coração, enquanto todas as outras são divertimentos dos meus olhos e o passatempo de minha vida. Eis, finalmente, a história de meus amores!... Tais foram as razões que me tornaram borboleta de amor.

      Terminando assim, Augusto ia respirar um instante, quando pela segunda vez lhe pareceu ouvir ruído na porta da gruta.

      — Alguém nos escuta, disse ele, como da outra vez.

      — E talvez uma nova ilusão... respondeu a digna hóspeda.

      — Não, minha senhora; eu ouvi distintamente a bulha de uma pessoa que corre, tornou Augusto, dirigindo-se à entrada da gruta e observando ao derredor dela.

      Então?... perguntou a sra. d. Ana.

      — Enganei-me, na verdade.

      — Mas vê alguém?...

      — Apenas lá vejo a sua bela neta, a sra. d. Carolina, que se precipita com a maior graça do mundo sobre uma borboleta que lhe foge, e que ela procura prender.

      — Uma borboleta...

      Capítulo IX: A Srª D. Ana com suas histórias

      Finalmente, o bom do estudante que, quando lhe dava para falar, era mais difuso que alguns de nossos deputados novos na discussão do artigo l o dos orçamentos, julgou dever fazer pausa de suspensão; mas a sra. d. Ana, que já tinha-o por vezes interrompido fora de tempo e debalde, não quis tomar a palavra para responder, sem assegurar-se, dirigindo-lhe estas palavras pela ordem:

      — Então concluiu, sr. Augusto?...

      Sim, minha senhora; e peço-lhe perdão por me haver tornado incômodo, pois fui, sem dúvida, tão minucioso em minha narração que eu mesmo tanto me fatiguei, que vou beber uma gota d’água.

      E isto dizendo, foi ao fundo da gruta, e enchendo o copo de prata na bacia de pedra, o esgotou até o fim: quando voltou os olhos, viu que a boa hóspeda estava rindo-se maliciosamente.

      — Sabe de que estou rindo?...disse ela.

      — Certamente que não o adivinho.

      — Pois estava neste momento lembrando-me de uma tradição muito antiga, seguramente fabulosa, mas bem apropositada dessa fonte, e que tem muita relação com a história dos seus amores e com o copo d’água que acaba de beber.

      — S.S.a põe em tributo a minha curiosidade...

      — Eu o satisfaço com todo o prazer.

      A sra. d. Ana principiou:

      AS LÁGRIMAS DE AMOR

      — Eu lhe vou contar a história das lágrimas de amor, tal qual a ouvi à minha avó, que em pequena a aprendeu de um velho gentio que nesta ilha habitava.

      Era no tempo em que ainda os portugueses não haviam sido por uma tempestade empurrados para a terra de Santa Cruz. Esta pequena ilha abundava de belas aves e em derredor pescava-se excelente peixe. Uma jovem tamoia, cujo rosto moreno parecia tostado pelo fogo em que ardia-lhe o coração, uma jovem tamoia linda e sensível, tinha por habitação esta rude gruta, onde ainda então não se via a fonte que hoje vemos. Ora, ela, que até aos quinze anos era inocente como a flor, e por isso alegre e folgazona como uma cabritinha nova, começou a fazer-se tímida e depois triste, como o gemido da rola; a causa disto estava no agradável parecer de um mancebo da sua tribo, que diariamente vinha caçar ou pescar à ilha, e vinte vezes já o havia feito sem que de uma só desse fé dos olhares ardentes que lhe dardejava a moça. O nome dele era Aoitin; o nome dela era Ahy. A pobre Ahy, que sempre o seguia, ora lhe apanhava as aves que ele matava, ora lhe buscava as flechas disparadas, e nunca um só sinal de reconhecimento obtinha; quando no fim de seus trabalhos, Aoitin ia adormecer na gruta, ela entrava de manso e com um ramo de palmeira procurava, movendo o ar, refrescar a fronte do guerreiro adormecido. Mas tantos extremos eram tão mal pagos que Ahy de cansada procurou fugir do insensível moço e fazer por esquecê-lo; porém, como era de esperar, nem fugiu-lhe e nem o esqueceu.

      Desde então tomou outro partido: chorou. Ou porque a sua dor era tão grande que lhe podia exprimir o amor em lágrimas desde o coração até os olhos, ou porque, selvagem mesmo, ela já tinha compreendido que a grande arma da mulher está no pranto, Ahy chorou.

      E também porque nas lágrimas de amor há, como na saudade, uma doce amargura, que é veneno que não mata, por vir sempre temperado com o reativo da esperança, a moça julgou dever separar da dor, que a fazia chorar amargores, a esperança que no pranto lhe adicionava a doçura, e, tendo de exprimir a doçura, Ahy cantou.

      Seu canto era triste e selvagem,


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