Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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      — Tomai este breve, cuja cor exprime as esperanças do coração daquele menino. Ele contém a vossa esmeralda: se tendes bastante força para ser constante e amar para sempre aquele bom anjo, dai-lho, a fim de que ele o guarde com desvelo.

      Minha bela mulher executou a insinuação do velho com prontidão, e eu prendi o breve ao meu pescoço, com uma fita que me deram.

      Quando tudo isto estava feito, o velho prosseguiu ainda:

      — Ide, meus meninos; crescei e sede felizes! Vós olhastes para mim, pobre e miserável, e Deus olhará para vós... Ah! Recebei a bênção de um moribundo!... Recebei-a e sai para não vê-lo expirar!

      Isto dizendo, apertou nossas mãos com força: eu senti, então, que o velho ardia; senti que seu bafo era como vapor de água fervendo, que sua mão era uma brasa que queimava... Sinto ainda sobre os meus dedos o calor abrasador dos seus e agora compreendo que, com efeito, ele delirava quando assim praticou com duas crianças.

      Enfim, nós deixamos aquela morada aflitos e admirados. Sós, nós pensamos no velho e choramos juntos; depois, nas crianças isto não merece reparo, a nossa dor se mitigou, para cuidarmos em brincar outra vez.

      De repente a menina olhou para mim e disse:

      — E quando minha mãe perguntar pela esmeralda?...

      Eu cuidei que lhe respondia, e fiz-lhe igual pergunta:

      — E quando meu pai perguntar pelo meu camafeu?

      Ficamos olhando um para o outro; passados alguns instantes, minha linda mulher, que me parecera estar pensando, disse sorrindo-se.

      — Eu vou pregar uma mentira.

      — E qual?

      — Eu direi a minha mãe que perdi a minha esmeralda na praia.

      — E eu responderei a meu pai que perdi o meu camafeu nas pedras.

      — Eles mandarão procurar, sem dúvida...

      — E, não o achando, esquecer-se-ão disso.

      — E os breves?... Nós os guardaremos?...

      — O velho disse que sim. Para que será isto?...

      — Disse que é para nos casarmos quando formos grandes.

      — Pois então nós os guardaremos.

      — Oh! Eu o prometo.

      — Eu o juro.

      Neste momento soou ave-maria.

      — Tão tarde! exclamou a menina...minha mãe ralhará comigo!

      E, dizendo isto, correu, esquecendo-se até de despedir-se de mim. Esse fatal descuido acabava de entristecer-me, quando ela, já de longe, voltou-se para onde eu estava e, mostrando-me o breve branco, gritou:

      — Eu o guardarei!

      Pela minha parte entendi dever dar-lhe igual resposta, e, pois, mostrei-lhe o meu breve verde e gritei-lhe também:

      — Eu o guardarei!

      Aqui parou Augusto para respirar, tão cansado estava com a longa narração; porém ergueu-se logo, ouvindo à entrada da gruta.

      — Alguém nos escuta! disse ele.

      — Foi talvez uma ilusão! respondeu a digna hóspeda.

      — Não, minha senhora; eu ouvi distintamente a bulha que faz uma pessoa que corre, tornou Augusto dirigindo-se à entrada da gruta e observando em derredor dela.

      — Então?... perguntou a sra. d. Ana.

      — Enganei-me, na verdade.

      — Mas vê alguma pessoa?...

      — Apenas lá vejo sua bela neta, a sra. d. Carolina, pensativa e recostada à efígie da Esperança.

      Capítulo VIII: Augusto prosseguindo

      A avó de Filipe quis tomar, por sua vez, a palavra; porém o estudante lhe fez ver que ainda muito faltava para o fim de suas histórias, e voltando de novo ao seu lugar, continuou:

      — O acontecimento que acabo de relatar, minha senhora, produziu vivíssima impressão no meu espírito; ajudado por minha memória de menino de treze anos, apenas entrei em casa escrevi, palavra por palavra, quanto me havia acontecido. isto me tirou o trabalho de mentir, porque adormecendo sobre o papel que acabava de escrever, meu pai o leu à sua vontade e soube o destino do camafeu, sem precisar que eu lhe dissesse. Ele ainda estava junto de mim quando despertei, exclamando: o meu breve!... o velho!... minha mulher!...

      Anda, doidinho, disse-me meu pai com bondade; eu te perdôo as novas loucuras, em louvor da ação que praticaste, socorrendo um velho enfermo; agora, guarda, eu to peço, e mesmo to mando, guarda melhor esse breve do que guardaste o camafeu.

      E isto dizendo, deixou-me.

      Não se falou mais neste acontecimento; soube que o velho morrera no dia seguinte e que no momento da agonia abençoara de novo a minha camarada e a mim.

      Meu pai fez todas as despesas do enterro do velho e socorreu a sua desgraçada família.

      Eu nunca mais vi, nem tive notícia alguma da minha interessante camarada, mas nem por isso a esqueci, minha senhora... porque, ou seja que meu coração a tivesse amado deveras, ou que esse breve tivesse alguma coisa de encantador, o certo é que eu ainda hoje me lembro com saudades dessa criança tão travessa, porém tão bela. Sem saber seu nome, pois nem lho perguntei, nem ela mo disse, quando quero falar a seu respeito, digo sempre: a minha mulher! Riem-se... não me importa: eu não posso dizer de outro modo.

      Sempre com sua imagem na minha alma, com seu engraçado sorriso diante de meus olhos, com suas sonoras palavras soando a meus ouvidos, passei cinco anos pensando nela de dia, e com ela sonhando de noite; era uma loucura, mas que havia eu de fazer?... Cheguei assim aos meus dezoito anos.

      Eu já era, pois, mancebo. Meus pais nada poupavam para me educar convenientemente, e eu aprendia quanto me vinha à cabeça; diziam que a minha voz era sonora, e por tal convidavam-me para cantar em elegantes sociedades; julgavam que eu dançava com graça e lá ia eu para os bailes; finalmente, como cheguei a fazer algumas quadras, pediam-me recitar sonetos em dias de anos, e assim introduziram-me em mil reuniões, onde as belezas formigavam e os amores eram dardejados por brilhantes olhos de todas as cores.

      Além disto freqüentava as casas de meus companheiros de estudos e os ouvia contar proezas de paixões, triunfos e derrotas amorosas. Meu amor-próprio se despertou, e tive vontade de amar e ser amado.

      Julguei esta minha determinação ainda mais justa, pois tendo ido passar certas férias na roça, e falando mil vezes no meu breve e em minha mulher, ouvi minha mãe dizer uma vez, cru que me julgava longe:

      — Temo que esse breve tire o juízo àquele menino; talvez que nos seja preciso casá-lo cedo.

      Portanto, para não ouvir somente, mas também para contar alguma vitória de amor, para não endoidecer por causa do breve e, finalmente, para não ser necessário à minha mãe casar-me cedo, determinei-me a amar.

      — Esqueceu-se, por conseqüência, de sua mulher e do seu breve! perguntou a sra. d. Ana, interrompendo Augusto.

      — Ao contrário, minha senhora, tornou este; foi essa minha resolução que me tornou mais firme e mais amante de minha mulher.

      Não sei, continuou Augusto, que teve o amor comigo. para entender que todas as moças deviam rir-se de mim e zombar de meus afetos! Pensa que brinco, minha senhora?... Pois tüi isso mesmo que me sucedeu no decurso de minhas paixões. Eu resumo algumas.

      A primeira moça que amei era uma bela moreninha, de dezesseis anos de idade. Fiz-lhe a minha declaração na carta mais patética que um pateta poderia conceber, no fim de três dias recebi uma resposta abrasadora e cheia de protestos de gratidão e ternura; meu coração se entusiasmou com isso... Na primeira reunião


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